Capítulo Um - Monstro

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A mulher corria, o neném chorava em seus braços apertados demais enquanto lágrimas pesadas caiam sobre os ralos cabelos castanhos claros. Ela parou e gritou para alguém na frente dela, negando com a cabeça. — É meu filho! Meu filho! — A jovem dizia com a voz extremamente embargada, apertando ainda mais o pequeno bebê nos braços. — Não pode fazer isso Edgar! Porquê? Porquê quer me separar do meu bebê?

— No nosso destino, minha querida, não há espaço para uma criança que não seja nossa. Eu disse a você todo o tempo, disse a você que parasse. Essa é sua sina.

E então ele caminhava em direção a mulher e colocava o bebê contra o pescoço dela. E a criança cortava sua garganta como se não fosse nada, usando pequenas garras que não deveriam estar ali, mas estavam e saiam horrivelmente das pontas dos minúsculos dedinhos fofos, que se agarravam ao pescoço dilacerado da mulher como se sua vida dependesse disso.

E dependia, já que quando os braços dela ficaram repentinamente frouxos o bebê despencou para a morte certa; nem o homem, nem ninguém tentando salvá-lo.

Ninguém tocaria no minúsculo monstro.

Os olhos assustados do garoto se abriram no momento em que o pequeno corpo tocou ao chão. Os lábios abertos enquanto o jovem inspirava o ar ao seu redor como se precisasse dele para se acalmar e ele conseguia sentir os movimentos erráticos do coração que mal batia em seu peito.

Seus olhos piscaram, rapidamente observando cada canto do quarto enquanto ele se acalmava e percebia com dedos trêmulos e olhos assombrados que tudo não passava de um pesadelo.

Bem, não tudo, ele pensou tristemente, mas sempre há coisas que não se pode alterar.

— Zouely! Zou! — Os gritos soaram através da parede fina do quarto e seus olhos verdes se fixaram na cortina amarela e meio rasgada que funcionava como porta. Ainda assim, seus pensamentos vagaram no pesadelo recorrente que tinha desde que soubera a verdade do porquê não tinha uma mãe como as outras zatlings¹: ele a tinha matado.

Sua mãe, uma mulher que ele nem mesmo se lembrava. Claro, ele tinha menos de um mês de vida quando ela finalmente morrera após passar dias sofrendo devido ao parto forçado que ele próprio causou.

Sendo um mestiço, seu tempo de gestação era mais curto do que deveria ser e o corpo da mãe não estava preparado para um parto "prematuro". Foi por isso que suas garras haviam cortado sua barriga de dentro para fora, no que seu pai chamara de uma tentativa desesperada para nascer, assim como a garganta do outro bebê com quem ele compartilhava o útero. Um bebê que poderia ter sido seu irmão gêmeo, mas que infelizmente morrera antes mesmo de chegar a viver.

E assim, Zouely foi um jovem que cresceu ouvindo que ele deveria ter morrido no lugar de sua progenitora ou que havia sido o melhor que ela não tivesse sobrevivido para não ver o monstro que o filho era.

Zou, caralho! Tenho que chegar lá às oito! Eu vou receber menos se deixar a porra do cliente esperando cozifae²! E você não quer que eu receba menos... — A voz do homem a quem ele chamava de pai voltou a gritar do outro cômodo o assustando e chamando efetivamente a sua atenção.

O adolescente suspirou e se levantou em um pulo fluido do colchão fino onde dormia enquanto gritava — Já to indo! To indo! — e passava aos pulos pela cortina que fechava a entrada do quarto enquanto enfiava as calças jeans velhas pelas pernas.

E claro, isso tinha tudo para dar errado. Foi o grito do menino de treze anos que alertou ao homem mais velho de que o filho estava perto de perder alguns dentes. O homem agiu mais rápido do quê se pensaria que um zombie era capaz e agarrou o braço levemente musculoso do menino evitando uma queda que o atrasaria ainda mais.

Sobrevivendo á Sombras e Desilusões | #1Onde histórias criam vida. Descubra agora