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Foi no solstício de inverno.

A vila estava iluminada e decorada, os habitantes excitados em testemunhar o amanhecer, celebrações marcadas para a alegria do retorno da luz após a noite mais longa do ano.

Não compareceu. Mesmo se o quisesse, Encre não iria, com a precipitação do nascimento desde o início do mês.

Devia ser perto do final da manhã, enquanto aproveitava o calor da lareira, quando as primeiras contrações vieram, e estava feliz. Finalmente seu bebê iria nascer e poderia saber o que fazer.

Sua felicidade devia ter durado três quartos de uma hora, quando em vez de escorrer água entre suas pernas, escorreu sangue. Grosso, carmesim, sangue.

Mais tempo passou, as contrações ficavam mais fortes e rápidas, e sentiu a dor esperada de tal sangramento, como uma faca espetando de dentro para fora.

Mais tempo, ficar sentado se tornou insuportável, e assim que ficou de pé uma fita grossa de sangue escorreu entre as pernas.
A dor física não estava sozinha, um medo torturante lhe tomando.

Mais uma vez, a contração tão forte, mas sem realmente empurrar, apenas causando uma dor horrenda.

Ficar de pé já não era uma opção, quando as contrações passaram a com a intensidade imobilizar todo o corpo inferior.

Outra vez, e dessa vez o que deveria romper se rompeu, e água começou a sair junto com o sangue. A dor tomava cada polegada de onde havia a contração, nublado a mente; não havia como pensar direito.
O bastante para não lembrar de ter se arrastado até a porta e aberto. Era burrice, mas seu corpo dizia que o fio ajudaria.

Não sabia dizer se realmente ajudou, ou simplesmente estava começando a desmaiar, fosse pelo frio, pela dor, ou pelo sangramento.

Jesus, não parava de sangrar, o chão por onde se arrastou parecia ter testemunhado um crime.

Mas uma vez, e ao que parecia, a força da contração foi suficiente para quebrar duas costelas.
O grito ressoou mais uma vez pelo bosque branco, e um tipo diferente de horror lhe agarrou quando se deu conta do quão isolado estava. Não importava o quanto gritasse, ninguém ouviria. Se morresse, quem sabe quando seria encontrado.

Foi só quando a dor das costelas pressionando uma à outra pareceu entorpecer os outros tipos que se lembrou de tirar as calças, mas no momento se curvar não era uma opção: rasgou com as mãos.

Com o frio contra sua face, uma camada de sangue congelado se formando sobre si, começou a empurrar de verdade.

Foi a pior parte, porque sequer podia gritar, não sem tirar parte da força que fazia para o grito; não quando queria que aquilo acabasse.

Mais uma vez. Se antes parecia que uma faca lhe espetava, agora parecia que várias lhe raspavam o interior do ventre. Não, não era essa a descrição certa. Era como se a criança não quisesse sair, e se agarrasse com vários ganchos eu seu interior.

Mais vezes. Os ganchos estavam puxando, em resistência que seria inútil, não estivesse lentamente rasgando a carne mágica, fazendo sangue morno se juntar ao gelado.

Mais vezes. Agarrando um punhado de neve entre os dedos, suas pupilas vermelhas em pura determinação, deu cada gota de si para empurrar para fora.

Mais vezes. Gelo não é um bom lugar para um recém nascido. Com a pouca força que ainda tinha, fechou a porta, e entre uma contração paralisante - mais uma costela - e outra - sentiu a coluna rachar - voltou a se arrastar, tentando voltar para perto da lareira.

Mais vezes. Podia ouvir seu próprio quadril rachando quando a cabeça começou a sair.

A visão começava a escurecer, seu corpo agia por conta própria, querendo o pôr para fora.
A sangue congelado aos poucos derretia.

Mais vezes. Não pode... deixar...  passar...

Mais vezes... a pena...

Sequer pôde conferir de estava queimando quando desmaiou.

Não sabia quando acordou, podiam ter se passado horas ou mais de um dia.

A primeira coisa que notou foi que, apesar de ainda sentir incômodo onde estava quebrado, seu corpo estava rígido, lhe impedindo de se mover o bastante para realmente sentir dor.

Já era noite, e havia parado de never.

Junto das cinzas da pena, havia um dos incensos, queimando tão lentamente quanto na outra vez.

Ela estava lá.

De pé, longe demais da lareira para realmente ficar iluminada, as asas bloqueando a entrada do luar na janela, mas estava lá.

E, em seus braços, enrolado no tecido difícil de confundir, a criança.
Olhando o recém mãe com o olhar neutro, ela disse num tom baixo e frio como a própria neve:
-- Eu preciso de você vivo para que ele viva. É um menino, aliás.
E se aproximou, embora fosse hesitante. Não podia culpá-la. Não era como suas lanternas, que por vontade dela e às vezes própria mantinham ou tiravam controle. Aquele fogo era real e perigoso como um elemento da própria natureza.

Mesmo assim, ela chegou perto o bastante para que pudesse ver o bebê, que também hesitou em soltar, em vez de manter junto ao seio, como fazia pouco antes.

Era tão pequeno que era difícil acreditar que havia causado o quadril rachado, e com a aparência frágil que é normal em recém nascidos.

As órbitas estavam fechadas, então não sabia de que cor eram seus olhos, mas os ossos eram mais pretos que carvão, exceto as falanges, que eram amarelas e vermelhas, e duas marcas em seu rosto; eram provavelmente a parte mais chamativa, de um verde brilhoso, passando de uma faixas abaixo de cada órbita para abraçando as laterais do rosto como uma máscara.

-- Ele é lindo...

-- É claro que é. -- ela murmurou -- A noite é bela, afinal.
Por um instante, quis lhe mandar parar de ficar falando em enigmas, mas rapidamente se lembrou de quem se tratava e mordeu a língua.
-- Não se preocupe, eu já cuidei de tudo, não vai precisar testemunhar nada. Por agora, descanse, que o tempo que a neve o isolar será mais útil do que imaginas.

E, mais uma vez, foi a última coisa que ouviu.

Vampire Verse - Sun and MoonOnde histórias criam vida. Descubra agora