Filhos do Capitalismo

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Na escuridão do subsolo, o ruído crescente atacava seus ouvidos. Ela percebia a dor aumentar a cada dia. Maldita droga do caralho!

Glória tirou de seu bolso a imagem amassada do menino quando o metrô se aproximou, estacionando e iluminando o local. O formigueiro vomitou uma incessante quantia de humanos. Todos bem-vestidos, em contraste ao seu traje malcheiroso.

— Qualquer valor, senhora — pediu ela, mostrando a foto e estendendo a digital de seu indicador. — Cinco mil cryptos me ajuda a visitar meu filho — mentiu.

A senhora aproximou o leitor de seu pad, digitou algum valor no visor transparente e apresentou dentes amarelados.

— Deus lhe abençoe, filha.

— Amém.

Se existisse um Deus.

Um homem apressado lhe encarou enojado, desviando do contato. Eu sei o que você pensa. Que eu sou uma puta viciada, que vou tentar te roubar. Não te julgo. Você está certo. Na mão, ele segurava outra, menor. A filha, ou sabe-se lá qual grau de relação entre eles, sorriu para Glória. Um gesto que ela era capaz de retribuir.

Talvez o único.

O tempo era precioso, e Glória logo os ignorou. Buscava sua próxima investida em meio à multidão, que aos poucos se dispersava.

Cinquenta mil cryptos ela conseguiu naquele dia. Sequer era capaz de acreditar em tamanha sorte. Seria o suficiente para quanto? Três doses? Só de pensar, seus pelos se eriçavam, indicando o prazer antecipado.

— Tubos pra cinquenta mil, Roney — disse ela, quando chegou no muquifo que o homem tinha orgulho em chamar de sua loja.

— Tudo isso? Andou dando a bunda outra vez? — Ele sorriu. Filho da puta. — Isso vai acabar te matando.

— A droga ou a bunda? — Ela esticou o indicador, próximo ao leitor. — Apenas me dê logo essa merda, não estou com humor para lidar com sua cara escrota.

O homem se virou e passou pelo vão escondido por uma cortina de panos velhos, desaparecendo por alguns instantes. Quando voltou, trazia três pequenos cilindros nas mãos, e os depositou sobre o balcão.

— Você deveria visitar seu filho, Glória.

— Vá se foder — respondeu, colhendo a droga e dando as costas. — Não me diga o que fazer.

Sentindo o sangue subir à cabeça, Glória, no entanto, não sabia concluir se o calor era uma consequência do comentário ou uma característica dos momentos precedentes ao consumo da substância.

Sozinha, agora no muquifo que tinha o desprazer de chamar de casa, ela arregaçou as mangas e desatarraxou um tubo, depositando a droga sobre o antebraço e esfregando incessantemente sua pele.

Alegria, adrenalina, medo e então segurança. Adrenalina outra vez. Êxtase, encanto, admiração e apreensão. Nervoso, falta de ar, sufoco, palpitação.

Você deveria visitar seu filho, Glória.

Quando se deu conta, ainda acelerada, o relógio indicava vinte e duas horas e vinte e dois minutos. Merda. Que dia é hoje? Doze! Merda!

Glória conferiu sua conta. Sem saldo. Merda.

Pegou sua mochila, e saiu correndo pelas ruas vazias.

— Não aceitamos papel, senhora — disse o homem da bilheteria, impaciente —, há vinte anos.

— Eu preciso estar lá antes da meia noite. — Ela reproduziu um sorriso simpático. E falso.

— Não é problema meu.

Glória recolheu o dinheiro amassado sobre o balcão e tirou da mochila dois tubos da droga.

Faltando dez minutos para a meia noite, ela estava tocando o interfone da casa que um dia habitou.

— Por Deus, o que está fazendo aqui? Esses olhos. É isso que quer para seu filho? Você é viciada, Glória! — ele cuspiu com impaciência.

— E não somos todos? — Ela apontou para si e em seguida para trás, ao redor. — E não são também eles? Drogas, cryptos, bebidas, sexo, crimes, jogos, redes sociais. "Aquele que não possui um vício, que atire a primeira pedra." Somos filhos do capitalismo, Max. Não podia ser diferente. O consumo é nosso Deus, e nós somos seu brinquedo mais velho.

— Pro inferno com sua filosofia comunista. É do meu filho que estamos falando. Você não vai atrapalhar a educação dele como fez com a sua.

Nosso filho.

Atrás, a porta se abriu e uma mulher apareceu.

— Algum problema, bem?

— Não se preocupe, flor — Max disse para sua companheira —, ela já está de saída.

No alto, debruçado por trás da grade na varanda, ela podia ver Eric. Ele cresceu, pensou ao lembrar-se da foto. O filho observava tudo com atenção.

Glória acenou, e com os lábios disse, pausadamente, sem emitir som: parabéns.

Ela dispôs do único bem que era capaz de entregar: um sorriso simpático. E verdadeiro.

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