Dizem que quando não conseguimos decidir, a vida escolhe por nós. Queria que isso fosse real. Implorei para que o universo me desse uma forcinha. Ele o fez. Não como eu esperava.
Eu sabia que estaria correndo perigo se voltasse, mas estava desesperada. O amor nos estimula a fazer coisas estúpidas.
Há horas eu não me protegia. O efeito da erva que mantinha meu sangue menos atrativo já havia deixado meu organismo. Eles não poderiam se controlar perto de mim.
Me arrependi de ter ficado em silêncio quando me deram um ultimato. Ninguém deveria ser colocado contra a parede daquela forma. Eu precisava escolher. Sabia disso, mas como?
Em meu coração havia lugar para os dois homens. Por que eu teria preenchê-lo apenas com um?
Não poderíamos chegar a um meio termo? Até aquelas maquininhas têm a opção de sorvete misto. Eu não precisava me prender entre chocolate ou baunilha. Poderia ter os dois.
Queria ser forte como eles. Dizer que preferiria sofrer sozinha a ter que causar esse sentimento em alguém. Entretanto eu não conseguia. Cada segundo longe de um, era um tormento. Tanto quanto ficar separada do outro.
Meu coração estava dilacerado. Eu destruí uma amizade de séculos. Os dois conviviam em sua existência mística há muito tempo, mas começaram a se desentender quando eu apareci em suas vidas.
Ambos sofriam. Abrir mão de mim não era a maior dor que eles poderiam sentir, mas sim trazer mágoa ao outro.
Qualquer decisão que eu tomasse, destruiria o coração dos dois. Assim como o meu.
Eu odiava isso.
Pensei nos sonhos que visitavam minha mente. Nós três, enlaçados em um único ato de amor. Não sei quantas vezes essa imagem se repetiu, me fazendo acordar excitada e cada dia mais convencida a propor isso a eles. Poderíamos ser uma casquinha mista da qual eu seria a cobertura de morango.
Estava decidida. Não poderia manter o sofrimento dos três enquanto havia uma solução fácil.
O sol já tinha nascido, o que era um problema em potencial. Eles deveriam estar em seu sono, fugindo dos raios ultravioletas que destruiriam sua pele. Não me importei. Eu os acordaria, mesmo que corresse perigo. Quem me dera se eles apenas brilhassem ao sol, como no romance que eu havia lido.
Quando estavam em qualquer momento de prazer, fosse sono, alimentação ou sexo, eles não conseguiam controlar suas ações. Apenas a erva me mantinha segura. Contudo, o estoque em meu porta luvas estava esgotado. Se pelo menos eu tivesse aquilo no organismo, eles não ficariam atordoados com o cheiro do meu sangue. A única fonte de alimento para aqueles que eu amava era a minha fonte de vida.
Eu precisava ser cautelosa, mas não era momento para isso. Retornei o carro na estrada, ouvindo as buzinas protestando à minha consequência. Sim, elas estavam certas, mas não poderia abrir mão deles. Não sem antes esgotar todas as possibilidades.
Eu parei à porta. Tentei ouvir algo no silêncio. Estava tudo quieto, como há alguns minutos, quando os deixei.
Os dois haviam brigado, mais uma vez, por minha causa. Me pediram para deliberar. Porém, antes que eu desse uma resposta, chegaram à conclusão de que o mais importante era o que havia entre eles. Algo que uma humana não poderia destruir.
Eu queria sentir ciúmes daquela relação. Nunca vivi uma cumplicidade assim, nem mesmo com minha irmã. Entretanto, a culpa por destruir algo tão lindo me consumia mais que qualquer inveja.
O silêncio da casa indicava que a trégua era real. Senti as lágrimas brotarem nos meus olhos quando me lembrei do momento em que os dois conversaram. Como se eu não existisse, decidiram que não permitiriam que nada atrapalhasse sua irmandade. A amizade era mais importante que tudo. Mais importante que eu.
Caminhei pelo escuro, onde cortinas pesadas os escondiam dos raios solares. Segui para o andar dos quartos principais e ouvi uma movimentação. Eles estavam ali.
Quando abri a porta, minha visão foi tomada pelo vislumbre distorcido de algo que tanto desejei. Os dois homens que eu amava estavam entrelaçados sobre os lençóis, em meio às carícias.
Ao perceberem minha presença, se afastaram, mas o frenesi não abandonou os dois corpos nus. Eles seguiram em minha direção.
Finalmente o universo me deu aquela forcinha e escolheu por mim.
Eu vi a realização dos meus desejos, mas havia uma diferença. Em meu sonho, eu não sentia o sangue ser sugado de meu corpo.
Antes que a vida me deixasse, lembrei que sorvete de maquininha nem sempre tem cobertura.
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Cobertura de Morango
VampireDizem que quando não conseguimos decidir, a vida decide por nós. Queria que isso fosse real. Não fui capaz de escolher e implorava para que o universo me desse uma forcinha. Ele o fez, mas não foi como eu desejava.