Parte 1: Augustine

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CAPÍTULO 1

        - Pare quieta, por Deus - disse Augustine, pela décima vez. A criança à sua frente dançava, se remexia e tentava fugir a cada 30 segundos - Não vou conseguir terminar de arrumar seu cabelo desse jeito!

       Inês parecia inconformada com o fato de que era necessário pentear as ondas negras que emolduravam seu rosto todos os dias.

       - Quero cortar meus cabelos iguais aos seus! - choramingou ela, durante uma nova tentativa de escapar das mãos da garota que a arrumava. Em vão.

       A menina exibia seu vestido de bailarina cor de rosa que combinava com sua sapatilha amarrada na altura da panturrilha. Porém o coque que Augustine fazia em seu cabelo parecia sacrifício demais e ela estava mais do que disposta a se livrar dele.

       - Mas a Sra. Helena disse que não precisamos ir de coque para a aula hoje - sua última chance.

       Augustine tentou segurar o riso, já estava acostumada com as histórias de Inês. Ela sabia que a garota não fazia por mal, tinha apenas 9 anos e ainda não havia entendido que mentir não era uma boa ideia - nem que seu rosto a entregava quando o fazia.

       Quando o coque finalmente ficou pronto, Inês saiu em disparada pela casa atrás de sua mochila.

       Augustine sentou-se no tapete, exausta. Amava seu trabalho, Inês animava suas tardes e a acompanhava em infinitas maratonas de desenhos animados com pão de queijo e sorvete, mas como era cansativo!

       - Dia puxado? - ouviu uma voz rouca atrás de si e seu coração parou.

       James.

       Ela se virou em direção a ele. Ajeitou os cabelos curtos e avermelhados para trás da orelha quando fitou o garoto escorado no batente da porta. A luz que entrava pela janela ao fundo o contornava, deixando seu rosto nas sombras. Mas ela sabia de cada detalhe de cor. Os cabelos tão escuros quanto os de Inês chegavam à altura dos ombros, sempre bagunçados. Seus olhos verdes pareciam capazes de enxergar através dela. Os braços cruzados e a pose casual acentuavam os traços fortes de capitão do time da escola.

       James veio em sua direção e esticou a mão para ajudá-la a se levantar. Ela aceitou e pôs-se de pé em um salto. Passou as mãos na calça jeans para tirar um pó inexistente e sorriu para ele.

       - Sua irmã só não dá mais trabalho que você - falou, dando um soco de leve no braço do garoto.

       Ele riu e lhe deu um abraço.

       - Bom ver você também.

       Augustine lembrava perfeitamente do dia em que o vira pela primeira vez. Ela usava um vestido florido que ia até a altura dos joelhos e um suéter que comprara apenas para a ocasião. Precisava impressionar os pais de Inês se quisesse que eles a contratassem. E ela precisava do emprego. Já havia terminado o Ensino Médio e ainda estava guardando dinheiro para se manter durante a faculdade quando deixasse a cidade. Seu cabelo era controlado por duas presilhas douradas, uma de cada lado e seus olhos castanhos foram decorados apenas com uma leve camada de rímel.

       Mas não eram os pais de Inês que a esperavam na porta. Era James. Ela já o vira na escola algumas vezes, o calouro prodígio que conquistara um lugar no time em seu primeiro ano e que hoje era capitão do mesmo. O garoto vestia uma roupa casual e seus cabelos longos ainda estavam molhados de um banho recente. Ele a convidou para entrar e disse que seus pais desceriam em um instante. Quando se cruzaram na porta, o cheiro de maresia que vinha do garoto a fez tropeçar. Verão. Como alguém poderia cheirar a verão?

       James a impediu de cair e falou dando uma risada:

       - Todos tropeçam nesse tapete - e piscou para ela.

       Isso aconteceu seis meses antes. Desde então, os dois haviam se aproximado bastante. Augustine passava muito tempo em sua casa cuidando de Inês. Quando ele teve problemas com suas notas e estava ameaçado de ser cortado do time, ela estava lá para ajudá-lo a estudar. Quando ela havia sido recusada na sua faculdade dos sonhos e não sabia como contar para os pais, ele estava lá para acalmá-la, dizer que eles entenderiam e que estava tudo bem tentar novamente no ano seguinte. Cada vez que o garoto e Betty tinham algum problema, ela era a pessoa para quem ele pedia colo.

       Betty era a namorada de James. E Augustine não era nada além de sua melhor amiga. Que estava apaixonada.

       Patético.

       Inês voltou correndo com sua mochila nas costas, os braços estendidos para Augustine. Ela se abaixou para que ficassem na mesma altura e a menina agarrou-a com força, dando-lhe um abraço.

       - Saia daqui James - a voz de Inês abafada pelos cabelos da amiga - você terá sua chance com Aug quando eu estiver na aula de balé!

       - Eu terei, é? - disse James, rindo ao ver o rosto de Augustine ficar completamente vermelho.

       Mas Inês já tomava a garota pela mão e a arrastava até a porta. A mãe da menina a esperava do lado de fora para levá-la para a aula. Elas se despediram e quando Augustine se virou de volta, James já não estava mais ali.


Ouça Folklore, álbum inspiração para este conto: https://open.spotify.com/album/1pzvBxYgT6OVwJLtHkrdQK?si=a88LjwDnQ-KYl6kd3ajsGg

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