those i envy - capítulo único

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【 os trechos em itálico são da letra de montero (call me by your name), música de lil nas x que inspirou a one shot. o que você lerá a seguir não define verdade, nem mentira.
boa leitura, espero que goste. não deixe de votar e comentar! isso me ajuda muito.】


Na vida, escondemos as partes de nós mesmos que não queremos que o mundo veja. Nós os trancamos. Dizemos a eles: 'Não'. Nós os banimos. Mas aqui, nós não fazemos isso.

Eu sentia o rastejar por através da terra entre meus dedos. Sibilava, tranquila, porque já sabia que eu tinha desistido de evita-la. Me fazia companhia, como uma amiga que me conhecia desde o ventre da minha mãe. Era inerente a mim, o pecado. A dor que causava aos externos. Já não me doía mais. Pelo menos era isso o que eu achava.

Tinha certeza. Estava ali naquela noite para me consumir como jamais havia feito. Eu já tinha concordado com a sua proposta antes de ter sido feita, afinal, não tinha mais pelo que viver aqui. Não tinha porque estar em outro lugar – a salvação pedia-me humilhação, e eu era orgulhoso demais pra isso. Não queria estar acima daquele que me pedia joelhos no chão e arrependimento genuíno, mas também não queria sofrer uma eternidade num calor desgraçado. Queria a escuridão. Um pós vida onde não havia nada.

Isso não existia.

Portanto, tinha tomado minha decisão. Não iria mais tentar alcançar uma iluminação que me era mais distante que as palavras das Escrituras. Cada lei nelas me condenavam de alguma forma. Tudo o que eu fazia era um erro. Eu, nascido do erro, voltaria para ele. Do pó feito, aquele solto acima de uma mesa, ordenado em fileiras, que ela sem piedade tinha consumido antes de se entregar pra um qualquer. Ao pó voltava, esse entre meus dedos, que reverbera o som da serpente com um rosto tão diferente das que eu via nos livros da biblioteca.

A realidade era que eu nem queria ter que escolher. Queria que escolhessem por mim. Não, não, que me ditassem. Que fizessem. Que a reversão funcionasse, que as pílulas fizessem efeito, que eu perdesse cada pele e cada osso e me tornasse um robô. Eficaz. Que repetia, fazia e engolia tudo o que contavam. Nem preciso dizer que não era como eu queria, é claro, jamais foi. Não concordava com boa parte do que aqueles homens escreveram e tampouco acreditava que eles eram tão iluminados como falavam pra todo mundo. Só me pareciam um bando de idiotas.

Podia ouvir a língua sair por entre os dentes da serpente, estender-se para fora e ondular contra o ar e depois voltar singela para dentro de seu casulo, aquecido. O interior da boca da serpente. Era lá onde se formava a tentação que roubou a inocência da Eva. Foi lá que se provocou o homem, sem infância. Dois bocós. Eu os desprezava. Sei que ela ouvia meu pensar, e parecia rir. É, também os achava ingênuos. Atraídos por uma mera fruta. Patético.

Eu entrei bem nessa hoje
Você ligou me chamando para sua casa
Não tenho saído muito de qualquer forma
Esperava poder te encontrar sorrindo para mim

Mas tinham sido salvos, é claro. Joelho no chão e perdão pedido. Graça e paz entregue. Era simples, até não ser. Sussurrava por cada grão enlameado em minhas mãos. Quando você se entregará? Por que você se entregará? O que quer de volta para deixar que eu comande sua vida?

Era coisa da minha cabeça. Na verdade, não me pedia nada, porque já não havia nada a se oferecer. Constantemente pensava em acabar com tudo. Muito mais do que isso, entendia que tudo era uma ilusão. A dor eterna agora me parecia adequada. Ao menos eu sentiria alguma coisa.

Isso não alegrava a espécie se arrastando no tronco atrás de mim, mas não chateava também. Parecia compadecer do mesmo sentimento – já tinha tentado tantos que só o fazia para ocupar boa parte do seu tempo livre. Muitos anos trabalhando como condenadora. Uma hora cansa, mas não tem muito o que fazer.

THOSE I ENVY || lil nas x montero one shotOnde histórias criam vida. Descubra agora