Sakura revirou os olhos, apoiando as costas na cadeira. Uma sensação nauseante retorcia em seu estômago, subindo em direção à boca, vomitaria a qualquer momento. Na mesa as garrafas vazias, disputavam espaço com copos e cinzeiros. Os objetos ao seu redor giravam lentamente, as paredes oscilavam, formando um mosaico cintilante no letreiro da saída.
Tentava lembrar-se onde estava. Algo em sua cabeça lhe informava que o local era impróprio para menores. Embebedou-se a noite toda, acompanhada pelos colegas do Gaara, seu quase namorado, que saíram discretamente, deixando-a sozinha com uma conta inflacionada a pagar.
Saiu cambaleante e descalça até o estacionamento. Odiava saltos. Estava bêbada demais para se equilibrar sobre o salto alto. Riu sonoramente ao perceber que, segurava os sapatos em uma das mãos e uma garrafa vazia na outra. Estava bêbada demais para preocupar-se com sua segurança ou possível multa. Mentia para si mesma, dizendo que sua destreza no volante melhorava após algumas doses de álcool, apesar de não ter habilitação. Estava bêbada demais para envergonhar-se das mentiras que contava.Outro dia começava, e Sakura iria dormir. Passar as noites acordada tornou- se um hábito.
A prudência lhe aconselhava a entrar em casa sorrateiramente pela janela, a persiana ficava destravada para fugas eventuais, isso evitava constrangimentos desnecessários e sermões intermináveis. O pôster do David Bowie parecia debochar das suas peripécias noturnas, ao deitar-se na cama, sobre, uma pilha imensa de roupas e quinquilharias.
Laconicamente olhava o teto, que girava em redemoinhos, cada vez mais rápidos, enquanto era tragada por uma tristeza profunda.
Seu comportamento estranho era uma rachadura no porta retratos da família perfeita, um trincado visível que todos insistiam em ignorar. A criticavam, nomeando suas oscilações de humor como frescura, ou um descontrole em seus hormônios femininos. Sua mãe a censurava, dizendo que reclamava de barriga cheia, era jovem, rica e saudável, deveria agradecer aos privilégios que usufruía.Batidas fortes na janela a despertou.
— Sakura abra! Sei que está aí.
A ressaca e o ressentimento a impediu de responder. Queria dormir um pouco mais, ausentar-se da realidade.
— Abre logo. Não tenho o dia inteiro — insistiu a voz masculina, que ela conhecia tão bem.
— O que você quer?
— Já passa do meio-dia — ele retrucou rispidamente.
Levantou-se, com olhos semicerrados, enxergava apenas os borrões dos objetos. Abriu o vidro para ele pular.
— O porteiro de deixou entrar? — inquiriu.
— Ele sempre deixa. Somos amigos — sorriu como se fosse óbvio.
— Ele ainda ficará desempregado por tua causa.
— Não foi à aula de novo? Deveria trancar o semestre.
— Não posso. Minha mãe já cortou metade dos meus cartões.
— Ela não vai te deixar sem dinheiro.Seu corpo anestesiado foi arrastado até o espelho, a imagem refletida não era agradável. A maquiagem borrada no rosto, olheiras profundas.
— Vou tomar um banho rápido. Vomitei no meu cabelo.
Gaara esparramou-se na cama para fumar um baseado, um pequeno souvenir da noite anterior. Abriu os olhos quando Sakura deitou-se ao seu lado. Envolveu-a num abraço, oferecendo o pequeno cigarro que foi aceito prontamente, ela tragou a fumaça segurando-a por segundos em seus pulmões.— Agora você está melhor — declarou ele.
— Imbecil. Você deixou a conta toda para eu pagar.
— Você é rica.
— Meus pais são ricos, eu vivo de mesada.O baseado foi apagado com as pontas dos dedos. O sorriso malicioso se fez presente, ao puxar a toalha que a cobria. Entrou no meio de suas pernas jogando a fumaça para fora. Sakura abafou o desconforto com um gemido, deixando seus pensamentos voaram. Nessas ocasiões em que misturava sexo com maconha, costumava devanear sobre algumas questões. Em como somos enganadas a vida toda. Nos filmes e nas conversas entre amigas, o momento sexual era prazeroso, sempre falavam sobre tesão e orgasmo, porém para ela, sexo era apenas uma dor física. Parecia uma boneca inflável, com formas arredondadas, femininas, porém oca.
O gozo dele chegou rapidamente, e ela agradeceu por isso. Escorreu morno pelas entranhas. Toda a vez em que ele gozava, ela se sentia morta.—Você não colocou preservativo?— questionou incrédula.
— Não deu tempo. Eu vim aqui para te oferecer uma carona. Você que ficou se oferecendo. Vai dar aquele help hoje? — verbalizou.— Vou.
— Eu convidei um pessoal, prometi que teria bebida a vontade. Só que não tenho verba.
— Você nunca tem. Meu dinheiro está na bolsa. Pode pegar.
— Já peguei.
Ela decepcionou-se novamente, como tantas outras vezes.
—Vai você na frente. Vou passar na farmácia antes. Depois eu vou.
— Você quem sabe — retrucou.Ele não se despediu ao sair. Apenas saiu levanto um pouco do seu dinheiro e toda sua dignidade. A agredia através da indiferença, dizia-lhe silenciosamente: você não significava absolutamente nada, era apenas um recipiente para ser usado e descartado. Não importa o quanto se esforçasse para agradá-lo, Sakura sempre seria um total zero a esquerda.
Chorou novamente.
Gaara era uma droga que a entorpecia, a consumia. Um suicídio lento e silencioso, em doses homeopáticas.
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O acorde rosa na melodia cinza
FanfictionSakura cresceu com pais ausentes, tornando-se uma pessoa solitária. Conheceu precocemente o álcool e suas consequências. No caminho do amadurecimento encontrará, sexo casual, muitas mentiras e um pouco de música.