tempestades e lagartas.

97 12 40
                                    

O que é "ser constante" para você?

Para mim, "ser constante" era "nunca mudar": sempre ser a mesma pessoa, sempre gostar das mesmas coisas, sempre estar do mesmo jeito, sempre fazer as mesmas atividades, sempre usar as mesmas roupas, sempre ter as mesmas metas... em resumo, viver apenas uma versão de si por toda a sua vida, sem a oportunidade de conhecer todas as suas outras versões ou sair um pouquinho da sua rota ─ afinal, foi você quem a traçou e foi você quem escolheu um só tipo do seu eu para controlar seu corpo, habitar a sua casa e realizar a sua rotina. Eu tenho certeza de que quase todo mundo pensa igual a mim a respeito desta característica tão incrível e admirável que é a constância, porque todos nós temos o hábito de definir certas pessoas como "hipócritas", julgar quem sai da sua linha, perder a admiração por aqueles que mudam "da água para o vinho" e afins; mas é fato que, quando paramos para analisar toda essa situação com mais atenção, fica bem claro como os hipócritas somos nós, que acreditamos veementemente na possibilidade de usar só uma linha de raciocínio quando fazemos e dizemos milhões de coisas que são completamente contraditórias à nossa concepção do que é e do que não é constante.

É muito comum que a gente se canse de fazer coisas muito habituais, como trabalhar e fazer serviços domésticos, mas, se fôssemos constantes, nós não gostaríamos tanto das nossas férias nem de usar um robô para limpar a casa enquanto assistimos a algo legal no sofá. Ou, quando não gostássemos de alguém, estaríamos tão acostumados com esta pessoa que jamais conseguiríamos imaginar o nosso cotidiano sem ela. Se fôssemos realmente constantes, nunca nos sentiríamos bem indo para lugares desconhecidos, nunca conseguiríamos aprender coisas que não sabíamos antes, nunca teríamos interesses novos, nunca aproveitaríamos oportunidades repentinas, nunca mudaríamos nossos costumes, nunca testaríamos visuais diferentes, nunca trocaríamos de namorado e nunca pediríamos tantas mudanças nas nossas vidas como costumamos pedir, porque estaríamos perfeitamente satisfeitos com tudo da maneira exata que está, sem precisar tirar ou pôr algo mais. Seríamos eternamente felizes e, consequentemente, não teríamos qualquer aspiração, vontade ou desejo de algo mais que poderia ser benéfico para nós.

Eu aprendi que a constância é uma das melhores invenções do mundo: sempre ouvi todos falarem que era muito bom ter um emprego fixo e estabilidade financeira/emocional, que certas coisas deveriam ser eternas, que é ótimo cultivar um hábito durante toda a sua vida e etc.; sendo assim, todos queriam que eu fosse constante para eu ter todas essas vantagens num futuro que dizem estar muito próximo. Quando eu examino a minha linha do tempo, não vejo ninguém olhando nos meus olhos e perguntando se eu queria mesmo ser constante, mas vejo várias pessoas atando meus pulsos em amarras invisíveis no intuito de me deixarem fadada a algo que nunca fui eu e que nunca foi meu, só que eu não consigo enxergar este tal futuro que tanto profetizam para mim enquanto estou presa e não conseguiria nem se eu fosse a melhor das videntes ─ é como se eu fosse uma tela branca onde projetam a imagem ou o filme que bem quiserem e, por isso, não pode ser pintada de uma cor que a realce e a deixe mais viva e mais bonita.

A agonia e a confusão mental causadas pela dor não-identificada nos meus punhos me fizeram correr pela estrada sombria que me disseram ser o caminho do paraíso, derramando silenciosas lágrimas de sangue e permitindo que os pingos grossos de chuva caíssem sobre os meus cabelos. Perguntava-me o porquê de me sentir mal no "meu" lugar, de ser julgada quando agia de acordo comigo mesma, de me achar culpada por coisas incomuns, de estar tão desconfortável com tudo ao meu redor, de ter sido acorrentada com a minha própria ajuda e de não poder sair daquela rota infernal. Disseram-me que as lagartas se tornam borboletas, mas por que eu ainda não estou no meu casulo? Uma onda de questionamentos tomava conta da minha cabeça pouco a pouco e embaçava minha visão com uma névoa turva e esbranquiçada, e eu corri cada vez mais rápido em passos cada vez mais pesados e desorientados até perder o fôlego e cair por inteiro. Ali, concebi minha permissão a mim mesma para chorar tudo o que nunca chorei, gritar tudo o que nunca gritei e parar por todas as horas em que meu corpo implorou por um mísero descanso e eu não atendi ao seu pedido, porque, durante todo aquele tempo, estive entorpecida e cega pelo controle alheio e pelas autopunições e acepções sem fundamento às quais fui induzida.

━━ WHEN THIS RAIN STOPS. red velvetOnde histórias criam vida. Descubra agora