Abro a porta do apartamento e tiro os sapatos na entrada. A única luz que ilumina o ambiente provem dos outros prédios e da vida nova iorquina noturna. O barulho de sirenes e buzinas deixa a atmosfera ainda mais envolvente. Caminho por todo o ambiente e só ligo a aluz do quarto. Missi está aos meus pés, miando por um pouco de atenção, então me abaixo e faço carinho em seus pelos macios por alguns segundos.
Depois que me levanto, deixo a bolsa e o casaco sob a poltrona no quarto e caminho até o banheiro. Depois do exaustivo dia na redação, tudo o que preciso é tomar um banho quente e longo na banheira. A sexta à noite é cansativa, mas muito esperada.
Tiro toda a roupa e enquanto a banheira enche, separo todos os sais de banho que ganhei de natal da mamãe e escolho dentre todos, aquele que tem cheiro de avelã e cacau. Despejo o conteúdo do pote na água e agito-a para que o sal dilua e forme a espuma. Prendo o cabelo em um coque bem firme e entro na água morna, afundando meu corpo até o pescoço. Dream a Little of Me toca no toca discos antigo de tia Mary e a taça de vinho está sob o parapeito da banheira. Ajustei a luz para que não ficasse tão clara e realmente me sinto em um filme hollywoodiano dos anos 60.
Ensaboo o corpo e sinto os músculos cansados relaxarem. Suspiro de alivio e fecho os olhos por um instante. Mesmo sendo uma mulher realizada em meus 28 anos, eu realmente gostaria de estar acompanhada neste momento. Braços me rodeando, corpos colados imersos na água cheirosa, relaxando após um dia agitado. Jazz ao fundo, vinho e beijos apaixonados.
Quando What a Wonderful Word inicia, parece que todo o astral está contra mim naquele momento, lembro imediatamente das férias na casa da tia avó Mary, todas as vezes que ela colocava Louis Armstrong naquele mesmo toca discos, escutava todas as suas músicas preferidas, tomando chocolate quente em frente a lareira. A neve lá fora, fazia tudo ainda mais magico e tudo o que eu queria era que aquilo durasse para sempre.
Tia Mary nos deixou quando eu tinha 16 anos, muitas de suas coisas foram divididas entre os familiares, mas o toca discos e os discos ela deixou especialmente para mim. Sinto lágrimas quentes molharem meu rosto e fungo baixinho, iniciando um choro de saudade daquela época que eu não tinha preocupações, éramos felizes ao extremo, ou pelo menos sabíamos lidar melhor com tudo.
Pensei que a idade me traria maturidade para sentir tristeza e lidar com isso, mas tudo o que consegui foi me distanciar cada vez mais do Meu Mundo Maravilhoso. Todos os meus planos foram mudados e meus sonhos deixados de lado. A vida que planejei estava ainda mais distante e eu nunca conseguia chegar perto de realizar nenhum mísero passo que me aproximaria do objetivo final.
No final, a noite relaxante se tornou triste e sozinha. Sabia que algum vizinho próximo poderia escutar meu choro sofrido, mas eu não conseguia para de chorar. De saudade, de tristeza, de solidão.
Mamãe e papai do outro lado do país, Jules agora morava no Japão e a pessoa mais próxima a mim estava há 50 minutos de carro. Eu mantinha uma vida sem muitos amigos, poucos familiares e nenhum romance casual. Trabalhava como um escape, porém, algumas noites eram tristes, como essa.
Enxaguei e me levantei. Vesti o roupão e tomei todo o restante do vinho em uma única golada. Esvaziei a banheira e segui para o closet. Vesti uma camisola de seda e penteei os cabelos. Abri a geladeira e peguei a garrafa de vinho, tomando direto do gargalo. Aumentei o volume do toca discos e coloquei a coletânea especial de tia Mary para tocar. Se essa noite seria triste, então teria a trilha sonora correta. Com o abajur da sala sendo a única luz artificial no apartamento, sentei na poltrona da sacada e tomei o primeiro gole antes de Body and Soul começar.
O disco era o mais antigo, portanto, o áudio era original e por isso, eu o amava. Era a vibe que aquela noite exigia.
Um gole atrás do outro, tomei metade da garrafa antes do fim da música, as lágrimas agora eram silenciosas, mas, mais quentes que as de antes. Solucei baixinho por alguns segundos e com o findar da canção, enchi o peito de ar e me levantei. Da borda da sacada do décimo andar, onde o barulho dos carros não era tão alto, mas mesmo assim, podia ouvi-los, observei tudo o que meus olhos podiam ver. A vida vista daqui de cima era muito mais interessante.
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Jazz Swing
FanfictionUma noite de sexta, jazz e vinho. Do choro na banheira à um dueto na sacada. Alicia estava dormindo em pé ou sonhando acordada?