Presente

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O sorriso de Téo estava dolorosamente congelado no rosto ao responder mais uma variação da velha pergunta: "como é representar o Brasil em um esporte que não é exatamente popular e só é lembrado pelo grande público nas Olimpíadas – e olhe lá? " Claro que os repórteres sempre eram mais sutis e delicados, mas era basicamente isso que sempre queriam dizer.

Téo engoliu em seco antes de responder, as luzes do estúdio deixam o lugar quente demais, mesmo com o ar condicionado ligado e ela estava ficando um pouco tonta e enjoada. Era quase impossível permanecer com uma expressão neutra no rosto quando, na realidade, sentia uma dor de cabeça latejante por conta da falta de sono e dos excessos da noite anterior. Por que aceitou o convite de Pedro para sair mesmo?

Não ajudava nada o fato que, ao invés de comemorar o novo passo na carreira dele, ela simplesmente afogou as mágoas na bebida, passando dos limites. Agora estava lidando com o ato irresponsável na primeira entrevista em um jornal esportivo de nível nacional.

"Você acha que vamos te ver nas Olimpíadas? ", o repórter perguntou animado trazendo Téo de volta para a realidade.

"Espero que sim! Ainda estou buscando um novo parceiro, mas não pretendo deixar o ano que me torno sênior passar em branco! ", apesar do tom animado da resposta, ela estava morrendo de medo de não conseguir se preparar no prazo das primeiras competições.

O tempo também não estava ao seu favor. Téo precisava encontrar um novo parceiro, conhece-lo e treinar para ficarem prontos em questão de poucos meses. Quais as chances deles sequer se classificarem para o campeonato da América Latina? Se não dessem certo, provavelmente seriam nulas, já que construir uma parceria podia demorar anos. Ou nunca acontecer. E então seria voltar à estaca zero...

Por que Pedro tinha que se aposentar logo agora? Dezenove anos é a idade mais importante na patinação artística — quando finalmente tornam-se sêniores, o nível "sério" de competição — e ele decidiu abandonar tudo porque entrou na faculdade... ok, Pedro nunca teve o sonho da profissionalização e sempre deixou claro que iria parar assim que conseguisse entrar na Julliard, mas Téo não pensou que fosse tão cedo.

Quer dizer, eles tinham 19 anos e foi a primeira tentativa de Pedro. Não devia ser tão fácil para um brasileiro entrar na prestigiada universidade dos Estados Unidos. Mas ao que parece, a patinação só deu um empurrão para ele. Não que não estivesse feliz e orgulhosa do melhor-amigo e parceiro, ele estava realizando o sonho de vida e isso a enchia de amor, mas por outro lado, agora Téo estava sozinha: sem parceiro e prestes a iniciar sua carreira como sênior. Além de tudo, seria bizarro traçar todos os caminhos das competições sem a presença leve e calma de Pepê, como todos o chamavam.

"E se eu dissesse que temos informações privilegiadas sobre o seu futuro no esporte? ", o sorriso que o repórter deu pareceu um tanto... animado demais para Téo. Ela inclinou a cabeça para o lado e olhou além da câmera para seu treinador, técnico e assessor de imprensa, Marcus.

Marcus foi campeão do Mundial anos atrás, um canadense que se aposentou com honrarias e entrou no velho caminho de virar técnico de novos talentos. Ele ficou encantado com Pedro e Téo durante a primeira competição deles fora do Brasil aos 13 anos de idade.

A garra e o desafio de treinar a dupla brasileira foi irresistível demais para Marcus. Ele escolheu o casal menos provável, apesar do grande interesse de outros atletas e ofereceu seu serviço assim que os dois foram desclassificados nas quartas de final do campeonato — algo que surpreendeu todo mundo. Téo e Pepê eram bons e talentosos, apenas precisavam de uma orientação melhor e mais profissional.

Desde então, Marcus tornou-se praticamente um pai para os dois e agora fazia o papel de treinador, assessor de imprensa, técnico e mais um pouco — funções que grande parte das equipes tinham separadas, mas que eles não por conta da falta de dinheiro. Apesar de promissores, Téo e Pedro não eram atrativos para patrocínios, já que a patinação artística no Brasil ainda era um esporte de nicho.

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