Banho de Ervas

957 6 0
                                    

Esse é um conto simples, de um sonho simples de uma mulher comum.

Mas talvez não tão comum assim.

Alice já passava dos 30, e pela primeira vez estava lidando com a mais pura e completa solidão. Seus anos inaugurais da vida adulta, dos 20 aos 30, passou em um relacionamento fechado, que, por bem ou por mal acabou, desfazendo a ilusão de uma vida eterna a dois. Que bom.

Desde o término, ela se ancorou em sua coragem para alavancar uma série de mudanças estruturais na vida. Passou a valorizar mais a estética, foi morar sozinha, assumiu seu lugar de líder no trabalho, expôs sua posição política, ganhou segurança para enfrentar machismos diários, e orgulhosamente conquistou as tão sonhadas liberdade sexual e independência financeira. Mas este conto não é sobre estes sonhos grandes e difíceis. É sobre um sonho simples.

Como a maioria das meninas nascidas no final dos anos 80, ela cresceu à base de filmes Hollywoodianos onde todas as protagonistas eram branquíssimas, lindíssimas, magérrimas e riquíssimas. Seu gênero de filme preferido, ora, imagina se não eram as comédias românticas? Então, no imaginário coletivo, a moça linda, magra e rica faz de tudo para agradar ao galã, não sem antes dar um show de dissimulação fingindo não estar apaixonada. Neste momento suspenso, onde a história cresce e os primeiros sinais da paixão impossível entre a mocinha e o garanhão estão surgindo, a garota faz seu ritual de beleza, mergulha numa banheira, à luz de velas, com sais de banho e espuma, ouvindo uma música gostosa, bebendo um vinho e relaxando, para sair de dentro d'água ainda mais linda e confiante, irresistível para o seu final feliz. Aí ela joga seu charme e, entre todas as desavenças, seja com a família ou com o trabalho, o amor prevalece e eles ficam juntos para sempre, como se a única felicidade possível fosse encontrar o príncipe encantado e viver devota a um único homem até o fim. Nossa! Quanta baboseira para se colocar na cabeça de uma adolescente brasileira, que não é nem lindíssima, nem magra, nem rica, nem branca, não é mesmo?

Alice levou seus 30 anos de vida para entender que nada é para sempre, mas ainda estava no processo de aceitar que aquele padrão de beleza de filme era injusto e cruel. Ainda estava no processo de aceitar que ela era lindíssima sim, do seu próprio jeito, e que sim, era possível ser feliz sozinha. Assim, dentro de todas as fantasias inalcançáveis que ela tentava se desfazer, uma delas não feria qualquer identidade, e poderia ser realizada: aquele banho de banheira, à luz de velas, com sais de banho e ervas aromáticas e uma taça de vinho. Um momento de paz e autocuidado. Realizar este pequeno sonho era a representação de todo o amor que poderia dar a si mesma.

Sim, era um sonho, já que nunca tinha tido uma banheira na vida. O plano prático era simples, reservar um hotel ou pousada com banheira, comprar os sais, ervas, velas e vinho, pegar um carro e ir. Para ela que apenas guardava dinheiro e não usufruía, seria fácil, ainda mais agora, com duas semanas de férias pela frente. Ainda assim, em algum nível do seu subconsciente, tinha ali um bloqueio. Viajar sozinha? Gastar dinheiro para tomar um banho? Parecia uma piada, uma brincadeira boba. Era uma brincadeira sim, mas não boba, uma brincadeira de realizar desejos, brincar de encontrar felicidade em plena solidão. Então depois de olhar diversas opções, escolheu um hotel no interior, em uma cidadezinha com poucos atrativos turísticos, além de algumas belas paisagens. Fez a reserva, e no dia da viagem, antes de sair passou no mercado e comprou tudo o que precisava: uma garrafa de vinho branco, velas aromáticas, sais de banho, hortelã e alecrim.

Já na estrada podia sentir a felicidade chegando, a liberdade tomando conta, o medo indo embora, um sopro de vida leve. No check-in do hotel notou, porém, que aquele não era um ambiente para viajantes solitários. Desde a decoração e oferta de passeios, até o cardápio do restaurante, tudo era feito para casais. Em todo panfleto, se referiam às pessoas no plural: "vocês vão amar nossas deliciosas massas!", "vão adorar a noite especial!". Enfim, tudo conspirava para que ela se sentisse um peixe fora d'água. Acontece que ela estava vestida de um sentimento chamado amor próprio, e só de estar ali já se sentia plena, poderosa, achando graça de quem a olhava estranho, como que perguntando com os olhos "cadê o seu namorado?". Claramente aquelas pessoas não sabiam lidar com mulheres independentes. Deu de ombros, pegou a chave do quarto e se instalou com toda a calma. O quarto era como as fotos, até melhor. E a banheira estava ali, a esperando, à sua disposição. Sorriu com o canto da boca.

Banho de Ervas (Conto Erótico 18+)Onde histórias criam vida. Descubra agora