Cascatas mistas não formam uma árvore

2 1 0
                                    

Era uma sala do segundo ano vazia, Laura puxou uma cadeira de algum aluno para Outono e então sentou-se na do professor. Ambos frente a frente para um grande jogo.
- O jogo funciona assim - Laura começou a explicar. - Sabe jogar o UNO normal?
- Acho que sim - ele não entendia muito bem, mas fingia entender.
- Você é um péssimo mentiroso - ela rio enquanto misturava as cartas, aquele movimento labial ficou preso na mente de Outono - mas deixa, vamos assim...
Ela entregou dez cartas para Outono e ficou com outras dez, deixando o resto do monte no canto da mesa do professor.
- Não vale olhar as cartas, ainda.
- Ainda nem me explicou o jogo e já tem regras?
- Haha, engraçadinho - mais um sorriso marcado - vamos virar as cartas que estão no topo no momento em que eu falar "já". A com maior número vence.
- O vencedor ganha o quê? - agora ele estava curioso, nos filmes, jogos assim sempre terminavam de forma interessante.
- O direito a uma pergunta, não importa o calibre - Laura sabia brincar e flertar ao mesmo tempo, só que Outono não sabia disso - o perdedor da rodada responde de qualquer jeito. Feito?
- Feito.
- E caso role empate, ambos tem que revelar um segredo.
- Demorou quanto tempo pra pensar nesse jogo? - encarar ela nos olhos o deixava desconfortável, não de forma ruim, mas era como se puxassem ele. Outono respeitava todos, mas Laura o derrotava mentalmente.
- Uns 45 minutos - ela ponderou - praticamente a primeira aula inteira.
- Pensou bastante em mim, né? - ele arriscou um golpe.
Laura tentou ao máximo não parecer tímida ou sair correndo. Mas ela era forte diante de Outono.
- É, um pouquinho assim - e mostrou o indicador e o polegar com um pequeno espaço entre eles. - Vamos?
- No já?
- No já.
Laura falou a sílaba e ambos viraram suas primeiras cartas.
- Parece que ganhei - ela tinha um 9 e ele um 6.
- Pode mandar - Outono se recostou na cadeira.
- O que você fez ontem a noite? - Laura queria fazer outra pergunta, mas estava esperando mais intimidade.
- Bem, depois que cheguei do estágio, fui jantar, minha mãe perguntou sobre a tua declaração e eu só resumi - ele procurou o centro da cadeira, tentando parecer confortável - daí meu pai achou engraçado e disse pra eu me manter focado e que blablabla estava feliz.
Laura corou.
- Ficou com vergonha, moça? - questionou.
- Um pouco, eles já saberem assim de mim.
- Bem, conto tudo - óbvio, tirando o íntimo e aquelas coisas - pra eles.
- Isso é incrível! - ela realmente pareceu animada com aquele fato familiar.
- Próxima rodada? - Outono não odiava perder, mas se o jogo estava rolando, ele queria ganhar logo.
- Claro.
E assim viraram a segunda carta.
- Isso só pode ser comprado - para Outono não era coincidência alguém ganhar duas vezes seguidas.
- Juro que embaralhei - ela levantou a mão direita e colocou a esquerda no peito.
- Tá, pergunta logo - Laura havia tirado 4 e ele 0.
- Quantas pessoas você já namorou? - sútil? Nenhum pouco.
- Uma e três quartos?
- Três quartos?
- Tipo, eu não sou muito disso, sempre fui muito de boas, ninguém nunca se declarou e eu nunca tentei - Outono alisou as cartas como se estivesse sem ideias - daí você apareceu, foi meio assustador e agora eu estou curioso. Sabe?
- Eu te deixo curioso? - olhos semicerrados e um pouco de prepotência.
- Bastante, sei lá... Por aí.
- Vamos jogar de novo, já tenho outra pergunta - Outono achou que tinha irritado Laura, mas era o contrário.
- Já.
Finalmente uma vitória.
- Já tava ficando desacreditado - ele tirou 7 e ela 2.
- Okey, campeão. Faça sua pergunta - Laura apoiou os cotovelos na mesa e o fitou.
- Quando começou a gostar de mim? - a pergunta mais importante atualmente na vida de Outono.
- Bem...
- Sem enrolar, gata - ele estalou os dedos - direto ao assunto.
Laura quis que ele chamasse ela assim a partir daquele momento, mas manteve o pensamento para si.
- Bem, lembra naquele dia da chuva? Que muitos alunos da manhã ficaram na escola até a tarde - Laura não sabia como prosseguir, queria fugir dali.
- Sim, eu fui um dos que ficou.
- Sim, daí saiu correndo na chuva...
Ela queria que Outono a interrompesse, mas ele estava concentrado demais.
- Bem, minha vó sempre me traz de carro. Quando eu sai e abri o guarda chuva, vi você sair correndo da escola... Sorrindo, feliz na chuva e talz.
- Sim - Outono deu uma pequena risada de satisfação, como se a memória o alegrasse - o Elian achou umas sacolas, a gente fez umas gambiarras e vazou.
- Sim, eu vi... Foi nesse momento...
Ela corou.
Ele corou.
- Vi você tão feliz brincando igual criança, que sei lá, foi automático - ela não conseguia encarar o garoto a sua frente, sua testa encostava na mesa do professor, cheia de vergonha e timidez e mais outros sentimentos.
Outono não sabia quais sentimentos sentir, a simplicidade de Laura o deixou extasiado, ele adorava chuvas. Seu pai o tinha ensinado a apreciar cada detalhe das estações do ano e a chuva era o preferido de sua mãe pois segundo ela: "Água nunca é demais".
- Ei - ela levantou a cabeça com o chamado dele, engolindo aqueles misto de coisas. Viu que o garoto estava apoiando o rosto na mão esquerda e a encarando com um sorriso de canto de boca. Aquilo foi tão doce ao ponto de Laura ficar sem palavras.
- Oi? - tanto ela quanto ele queriam dizer poucas palavras, para assim evitar os sorrisos bobos.
- Nosso encontro pode ser na minha casa? Daí nós mesmos fazemos a batata - sua expressão não mudou, o que fez ele parecer mais fofo.
- Claro!!! - ela se exaltou, Laura soltou um "droga" na sua cabeça - quer dizer, pode sim. Pode me mandar a localização hoje? Sou péssima com direções.
- Com certeza, se for muito longe, eu pago o Uber - o garoto era um cavalheiro que abria a carteira, "oh céus", pensou Laura.
- Estou muito ansioso - ele realmente estava, só não queria fazer algo estúpido.
- Eu também - ambos se encararam, finalmente.
- O sinal vai tocar. Bora? - e o sinal tocou logo após ele falar.
- Como você?...
- Shhhhh é segredo.
O "casal", quer dizer, ambos juntaram as cartas e ajeitaram a pequena bagunça a qual tinham feito na sala dos outros.
No caminho pelo corredor passando pelos alunos, pelas conversas e os gritos. Outono e Laura conversaram mais um pouco sobre suas músicas favoritas, álbuns, fotos.
- Tenho que ir, se não me deixam pra fora - ambos pararam no topo da escadaria, Outono desceu um degrau pra ficar na altura dos olhos de Laura.
- Chegar te mando mensagem.
- Com certeza vai - ambos trocaram um abraço e Laura deu um pequeno beijo na testa dele.
Outono deu aquele sorriso que ela adorava e foi descendo os degraus rapidamente, no momento em que Laura virou as costas, escutou ele a chamando.
- Ei!
- Você quer que eu me atrase?
- Não, mas eu amei o teu batom. Tchau! - e saiu correndo escada abaixo.
Laura tinha se esquecido do batom nos lábios, agora a testa do garoto tinha sua marca. Ela deu um grito silencioso e saiu correndo pra aula.

Escreva IssoOnde histórias criam vida. Descubra agora