PENSAMENTOS
Liza
Apesar de aparentemente ter dormido a tarde toda, me sentia sonolenta. Deixei as especulações sobre o passado macabro de lado. Abri a porta da frente. Agradeci ao fato de estar sozinha em casa. Subi as escadas, sentei-me no chão do quarto e encarei meu reflexo no armário. Só queria recordar da última tarde no Penhasco, dos olhos verdes de Nathaniel.
Eu não tinha ânimo de conversar com ninguém, nem mesmo com meus companheiros de casa, meus melhores amigos desde a escola. Chamavam-nos de Os Três Mosqueteiros no ensino médio. Éramos inseparáveis. Ben era três anos mais velho alto e de porte ligeiramente forte. Os olhos dele eram castanho-claros, a mesma cor de seus cabelos raspados. Ele me fazia pensar em duas coisas sempre que fitava o rosto dele: Sou um ótimo amigo quando você me conquista e leve encrenca. Ben tinha aquele sorriso de garoto que acabou de aprontar alguma, eu adorava isso nele.
Com Amanda foi amizade instantânea. Estudávamos na mesma série, nos entrosamos desde o primeiro dia de aula. Acho que bastou olhar seu rosto doce, os cabelos loiríssimos, o olhar meigo e azul claro, para gostar dela. Surpreendi-me ligeiramente ao ouvir sua língua afiada, naquele momento, soube que seríamos grandes amigas. Nossos pensamentos eram sintonizados, como se fossemos gêmeas.
Morar com eles vinha me ajudando a esconder e suportar as feridas que eu carregava. Além de Raquel, eles eram a minha única família.
Após concluir o ensino médio, Ben foi o primeiro a se mudar para Winterhill, onde cursou a Faculdade de Direito e conseguiu um ótimo emprego. Amanda se formou e veio morar com Ben para cursar a Faculdade de Designer. No momento, ela trabalha de estagiária em uma empresa de arquitetura. E eu, obviamente tranquei a Faculdade de Psicologia em Baltimore há seis meses. Corria o risco de perder os três anos cursados, mas havia coisas muito mais importantes agora.
***
Perdi-me em pensamentos, sentada no chão próximo à cama... Encarava a parede com um sorriso torto no rosto quando vozes, fora de minha cabeça, me tiraram do mundo de Nathaniel. E foi assim que eles me flagraram:
— Será que ela está em estado de choque? — ouvi a voz de Amanda.
— Com um sorriso no rosto?
— Meu Deus, olha só, Ben! Eu balanço a mão na frente do rosto dela e ela nem pisca. Pirou de vez!
Eu os ouvia, porém, mesmo sabendo que deveria parecer uma louca, queria continuar pensando no Penhasco. Foi com muito esforço que pisquei e falei:
— Ei! O Ben falando isso eu até entendo, mas você, Amanda? Falando que eu pirei?
— Desculpa, Liza, mas você estava assustando a gente.
— É! E por isso vamos sair, não quero ouvir desculpas. Você não vai ficar sozinha em casa e eu preciso de um drink! — Ben gritou e saiu do quarto para que o seguíssemos.
Segundos depois, voltou e colocou o rosto na brecha da porta do meu quarto:
— Liza, preciso dizer que se não vier por bem, vou carregar você à força? — ameaçou ele com um sorriso brincalhão.
Eu não consegui escapar. Fomos até o único pub de Winterhill. Fiz questão de que o local fosse próximo de casa porque Raquel havia ficado sozinha. Considerei também o fato de que era um lugar de onde eu poderia fugir a qualquer momento.
Amanda me fitou curiosa sobre o motivo da minha confusão mental. Correspondi o olhar insinuando que contaria mais tarde. Ben nos achava irritantes quando completávamos a frase da outra ou conversávamos através do olhar. Ele balançou a cabeça e resmungou:
— Se continuarem com isso, vou embora!
Amanda e eu rimos. Em seguida ela saiu da mesa para atender ao celular e eu pedi licença para ir ao banheiro. Menti porque precisava concluir minhas divagações sobre ele, o homem, que me deixava sem fôlego com um simples olhar. O homem, que encontrei duas vezes em um Penhasco deslumbrante... Mas foi um sonho, não foi?
Observei meu corpo com poucas curvas, os cabelos castanho-escuros descendo em ondas até a cintura. Aproximei-me do espelho até a face quase tocá-lo. Observei minhas íris cor de mel, os lábios levemente cheios, um pouco avermelhados e meu rosto redondo que seria pálido, se não fossem pelas bochechas rosadas. Uma garota bem normal.
Se Ben e Amanda me vissem agora, com certeza me declarariam insana.
Voltei à mesa onde Ben havia ficado sozinho.
— Me explica aí, Liza, o que havia de tão interessante na parede do quarto? — Ben abriu seu sorriso torto e piscou o olho para mim.
— Ah! Pare, Ben! Você não disse que estava preocupado comigo? Aqui estou eu. Em um pub, numa noite de sábado, tomando um drink como todas as pessoas normais fazem. — Levantei o copo e o sacudi fazendo o gelo tilintar no vidro.
— Sei, pelo menos você está falando, agora. Se tivesse visto o jeito como estava no quarto, quando cheguei com Amanda em casa, garanto, você estaria assustada.
— Meu Deus, Ben! Eu levo dois minutos no telefone e você já está perturbando a Liza de novo? — Amanda me defendeu ao voltar para nossa mesa.
— Olha, é sério. Eu estou bem. Vocês só me pegaram em um momento em que eu estava concentrada, pensando nos últimos acontecimentos da minha vida. Só isso. Agora chega desse assunto, ou vou voltar para casa.
— Tudo bem. Então, está sabendo que o nosso querido amigo aqui está de caso com a mala da Alícia? — Amanda estreitou o olhar para irritar Ben.
— Ih! Se você quiser levar ela para casa, terá que dar um aviso prévio de uma semana. Assim, Amanda e eu preparamos uma viagem de fuga. Quero distância!
Cheguei exatamente ao ponto desejado. Agora os dois iniciariam uma discussão calorosa sobre, piores namorados e namoradas que tiveram em suas vidas. Tudo o que eu precisaria fazer era um comentário apropriado de vez em quando. Eu ficaria alheia à discussão, já que nunca tive um namorado. Nunca me interessei por ninguém a esse ponto, quer dizer, até alguns meses, antes de conhecer o homem do Penhasco. Para ser sincera, nem me lembrava de Alicia, só fiz o comentário maldoso para voltar aos meus pensamentos.
Após passar à tarde no Penhasco com Nathaniel, não consegui pensar e nem fazer mais nada. Passei o dia sem nada no estômago e não sentia fome, quase perdi meu emprego e ainda assim não me importei. Tudo o que eu não conseguia impedir, era de deixar minha mente vagar. De lembrar com mínimos detalhes todos os segundos vividos no Penhasco. Nada mais tinha sentido e não precisava ter. Com Nathaniel, não existiam mais preocupações. Ele curava minhas feridas.
O que está acontecendo comigo?
Girei o copo nas mãos, enquanto os dois discutiam.
Será que minha mente criou o homem perfeito? Eu estou tão desesperada para acreditar que é verdade? Não é possível! Tem que ser real. Mesmo sendo um sonho, nunca vi o mundo tão claramente. Nunca me senti tão viva!
Convenci-me de que, em breve, voltaria ao Penhasco e acalmei minha ânsia. No dia seguinte, o intenso desejo de revê-lo me levou a fazer algo que eu jamais imaginaria.
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O Penhasco - Livro 1 - Completo
FantastikSinopse: "Teria sido uma noite como qualquer outra, se ele não tivesse aparecido. E se eu não estivesse completamente sozinha. Com um estranho em um Penhasco e sem lembrar de como fui parar ali. Me assustei quando ele se materializou à minha frente...