"Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos dera calar a tua voz!
Quem nos dera cá dentro, muito a sós,
Estrangular a hidra num momento!
E não se quer pensar!... E o pensamento
Sempre a morder-nos bem, dentro de nós..."
- Florbela Espanca
- Nonna? - digo indo para a a entrada da cozinha.
- Acordou com as galinhas, babygirl? - Wynonna entra e fecha a porta atrás de si. Ela está com as mesmas roupas de ontem e um óculos escuro que não esconde nem um terço da ressaca que exala da áurea dela.
- Eu que te pergunto! Nunca na minha vida inteira eu te vi de pé antes das 9h. Por deus, você quase perdeu o próprio casamento por querer dormir mais cinco minutinhos.
- Ei! No dia que você foi embora eu acordei cedinho pra te levar pro aeroporto, ingrata. - Ela diz se aproximando, deixa um casto beijo em minha testa e segue para a mesa da cozinha. Sigo atrás dela.
- Ã, você tá falando do dia que eu quase perdi o voo?
Ela dá de ombros. - Que seja. - Diz pegando uma xícara e seguindo em busca de café.
- Eu também queria conversar contigo antes da casa ficar cheia. - Ela fala olhando para xícara em sua mão.Levanto as sobrancelhas olhando para ela, esperando que ela prossiga com o assunto.
- Então, - ela suspira alto - lembra da Nicole?...
Sinto minha respiração descompassar e de repente todos os meus sentidos parecem aguçar ao simples estímulo de ouvir o nome dela.
- ...Nós meio que nos aproximamos muito nos últimos anos e, talvez a gente tenha o hábito de nos reunirmos para jogar poker toda sexta.
- Talvez?
- Tá, a gente se reúne todas as sextas há um ano. Ela sempre vem com a esposa e as vezes até o Nedley aparece, mas tenho a impressão que ele tá muito mais interessado na nossa mãe do que no jogo.
- E você quer que eu esteja ocupada na sexta para não atrapalhar o encontro de vocês?
- Não não não babygirl, essa casa sempre vai ser seu lar e você sabe disso, só não queria que você fosse pega de surpresa. Eu sei que a história de vocês não acabou muito bem e
- Wynonna, por Deus, já fazem 10 anos! Eu tenho maturidade suficiente para estar no mesmo cômodo que um namorico da adolescência. - Falo na tentativa de enganar muito mais a mim que a ela. - De qualquer forma, eu já tinha combinado com o Jeremy de nos encontrarmos sexta para colocar a conversa em dia, então.. - minto.
- Ótimo! Quer dizer, se você quiser ficar vai ser ótimo também babygirl, eu também sinto falta desses momentos com você.
- A gente vai ter o resto da vida pra jogar cartas Nonna, eu não pretendo ir embora nem tão cedo. - Falo esboçando um meio sorriso e indo em direção a geladeira para preparar algo para nós comermos.
A medida que a manhã seguiu, a casa, de fato, foi ficando cheia. Minha mãe chegou algumas horas depois da minha conversa com a Nonna e acabei me distraindo mostrando fotos das minhas viagens para ela. Aproveitei a tarde para finalmente começar a desfazer as malas. Apesar de ter planos de alugar um apartamento perto do meu novo emprego - darei aulas de idiomas numa escola no centro da cidade - ainda levarei um tempo para me adaptar a nova rotina, e prefiro ficar perto da minha família nesse momento.
Quando anoiteceu liguei para o Jeremy e pedi por todos os santos, deuses e religiões que existem que ele me salvasse na sexta. O desgraçado terá um encontro e não quis remarcar por nada nesse mundo. Combinamos de passar o sábado juntos.
Três dias depois, na sexta, exatamente às 9:15 da manhã eu pedi o Jeep da minha mãe emprestado e dirigi sem rumo o dia inteiro. Eu sabia que Nicole só apareceria na casa da Wynonna a noite, mas não queria correr o menor dos riscos de encontrar com ela. Eu não estava preparada, então fiz o que qualquer pessoa totalmente racional, assertiva e emocionalmente equilibrada faria: fugi, como venho fugindo há 10 anos.
Você já tentou se distrair de si mesma? Teoricamente não é assim tão difícil, basta você focar atenção em outras coisas - os sábios diriam. É por isso que eu odeio sábios, na real eles não sabem é de nada. E foi com esse pensamento na cabeça que suspirei fundo, me dando por vencida. Parei no meio do caminho na conveniência de um posto e segui para um descampado. Estacionei o Jeep, sai do carro e sentei no capô com uma garrafa de vodka na mão e diversas sinapses fazendo cócegas na minha cabeça. Ali mesmo eu dormi e acordei na manhã do outro dia.
Essa acabou virando minha rotina todas as sextas-feiras. De segunda a quinta, pelo dia, eu passo o dia sozinha e aproveiro para cuidar da fazenda, eu só começaria o trabalho dali a um mês, visto que a escola estava em recesso. A noite nós, eu, minha mãe, minha irmã, meu cunhado e com certa frequência o Jeremy, nos reunimos na entrada da fazenda e conversamos até a primeira pessoa bocejar. Na sexta eu saio de manhã e volto exatamente no mesmo horário na manhã do dia seguinte.
Dessa forma eu consegui desviar do encontro com a ****** por um mês e até acreditei que conseguiria por mais tempo, se na fatídica última sexta do mês a porra do pneu não tivesse estourado no caminho para o descampado. Na entrada da cidade. Onde a Nicole fazia patrulha. Nas sextas ao final da tarde, antes de seguir para a casa da Wynonna. Fonte: Jeremy.
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Metade de mim
ФанфикWaverly Earp é jovem e tem sede de saber. Foi essa sede que a levou a viajar por diversos países em busca de aventuras e aprendizado com culturas locais. No entanto, o que ninguém, em nenhum lugar do mundo, a soube explicar é como esquecer a testura...