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KAROL

Eu ainda considero você um bom amigo, espero que isso não
mude entre a gente.
Ele não me impede de sair e nem vem atrás de mim. Saio como
um foguete da padaria e, no caminho, diminuo o passo.
Merda. Por que eu sinto esse peso de culpa nas costas só
porque vou dormir com um cara que me faz sentir bem? Eu esperei
tanto tempo, e ninguém me atraiu dessa forma, não quero deixar isso
escapar. Por que outras mulheres – minha irmã, por exemplo – fazem
o que querem sem se importar com a opinião alheia? Ela sempre fez
tudo por conta própria, inclusive esconder uma gravidez do namorado
e, em seguida, dar o bebê para a adoção porque não queria o menino
atrapalhando a vida dela.
“Você está arriscando seu segredo, karol ”. Essa frase martela
na minha mente, me acompanhando o dia todo. Enquanto cuido de
Bernardo, enquanto faço o jantar e enquanto me arrumo.
E à noite, quando abro a porta para Heitor, a frase vem com toda
força: “Você está arriscando seu segredo.”
— Uau! Você está linda — ele diz, passando um olhar demorado
por todo meu corpo.
Estou usando um vestido que usei apenas uma vez. Como
estava cozinhando e preciso servir, prendi o cabelo em um rabo de
cavalo e fiz uma maquiagem básica. Acho que fiquei bonitinha. Se ele
gostou, então está tudo certo.
— Obrigada.
— Para você. — Ele entrega um pequeno buquê de rosas. Ai,
senhor! Que homem… que tudo! Em seguida, ele exibe um vinho na
outra mão. — Para a gente.
Sorrio e o convido para entrar. Heitor está muito sexy em um
jeans claro e um suéter preto arregaçado nas mangas. Não disse isso
a ele para não se achar muito. Quem tem que ter o ego inflado sou
eu, que vivi um ano sem dar um beijinho sequer em um rosto
barbado.
— Bernardo vai te fazer companhia enquanto vou lá tirar a carne
do forno. — Eu corro para a cozinha, deixando-o na sala.
— É uma ótima companhia — escuto ele falar e, em seguida, já
começa a conversar com Bernardo.
Ao contrário do barraco que Heitor está, aqui tem sala de jantar.
Ponho a mesa e ajeito cuidadosamente cada talher e taça e disponho
a comida. Fiz uma carne assada com batatas e molho, o cheiro está
divino. Tinha que agradá-lo de alguma forma, e carne é uma coisa
que todo mundo gosta. Ainda mais os homens.
Corro para buscá-lo na sala e, quando vejo a cena, paro
chocada. Heitor está sentado no sofá com Beni no colo e, bem
baixinho, ele fala para o menino:
— Fala papai.
***
— Porra, karol , você cozinha bem demais. Está tudo muito
delicioso. — Ele limpa os lábios, toma um gole de vinho e sorri
maravilhado. Hoje meu ego explode.
— Obrigada, Heitor. Fique à vontade, coma o quanto quiser —
eu falo e, admirada, fico olhando ele comer.
Nem fico surpresa por ele comer tanto, afinal, é um homem alto
e forte. Na cadeirinha alta, ao meu lado, Bernardo também come.
Enquanto Heitor narra uma de suas viagens para fotografar, eu
finjo prestar atenção. Ele está animado gesticulando e até Beni olha
atencioso para ele. Eu queria também estar prestando atenção na história, mas algo não sai da minha mente. Eu não falei a ele que vi a
cena, apenas guardei para mim. Foi linda e intrigante ao mesmo
tempo, ele pedindo a Beni para dizer papai. O que isso quer dizer?
Heitor quer um compromisso sério e, daqui um tempo, cuidar de
Bernardo como se fosse seu filho? Não tem outra hipótese. Eu já
pensei em tudo, mas a única coisa que me vem à mente é isso.
Compromisso.
Que outro motivo haveria para um cara pegar o filho de uma
mulher e pedir que o chame de papai?
— Depois, eu vou te levar à Ilha Grande para fotografarmos.
Será um passeio maravilhoso, e não dispenso a companhia desse
rapazinho.
Não estou falando? Ele é muito atencioso e fofo. E se,
hipoteticamente, ele se apaixonou por mim e por meu filho? Nossa,
eu acho que não mereço tanto.
Depois do jantar e da sobremesa, vamos para a sala. Bernardo
logo se cansa, e eu o deito no sofá menor. Entrego uma taça de vinho
para Heitor e sento com ele no sofá grande olhando para o bebê já de
olhinhos fechados.
— Conversei com Renato hoje — digo, e Heitor se mostra
interessado.
— E aí?
— Ele foi incompreensivo. Disse que estou colocando eu e meu
filho em risco.
— Por quê? Eu posso ser um vizinho novo, mas não sou um
bandido.
— Eu sei. Renato está com dor de cotovelo. Eu fico com dó dele,
muita pena, mas não posso ficar com ninguém só por pena. Seria  terrível para mim e para ele.
— Eu concordo com você. Não fique preocupada com isso. Logo
ele acostuma.
— É o que espero.
Heitor coloca a taça na mesinha de centro e se move, ainda
sentado, para perto de mim. Primeiro, ele toma minha taça e coloca
na mesinha também; depois, segura minhas mãos e dá um beijinho
rápido na minha bochecha. Quando ele vai descer os lábios para a
minha boca, eu coloco a mão na frente e me levanto.
— O que foi?
Aflita, dou um giro, passo as mãos pelos cabelos e tento
controlar a respiração. As batidas frenéticas no peito nem me
assustam, estão fora do meu controle.
— Heitor, estou em um impasse terrível. — Fico de costas para
ele não ver minha expressão perturbada.
— Se quiser, eu posso ir embora.
— Não. — Me viro bruscamente.
— Então me conte o que te aflige.
Volto e me sento ao lado dele.
— Essa casa… meu quarto, a cama que durmo… era tudo do
meu noivo — vou falando pausado, engolindo minha preocupação.
— Está com medo de desrespeitar a memória dele? — Heitor
antecipa meu discurso.
Ele não ri como muitos fariam; ao contrário, as sobrancelhas
dele se juntam intrigadas, demonstrando interesse.
— Sim. Desculpa, Heitor.
Ele nega com um gesto de mão.
— Não precisa se desculpar. Eu te entendo. Entretanto, lembra quando eu te disse que você tem cara de sopa? Eu jamais vou levar
você para um motel na nossa primeira vez ou fazer isso em lugares
duvidosos, porque isso não combina com você. Na minha casa você
não quer por causa de Renato, e aqui por causa do seu noivo.
— Eu sei. Pode parecer tolice minha, mas…
— Não é — ele completa. Toma minha mão entre as dele e fixa
seu olhar no meu. — Eu te compreendo, mas você tem que se livrar
dessa culpa que não existe. Se não for comigo, será com outro cara
e, algum dia, você terá que fazer isso aqui. Depois, podemos trocar a
cama, o papel de parede do quarto, o que acha?
Limpo uma lágrima solitária que ameaça cair.
— Eu acharia maravilhoso.
— Então, daqui a pouco vamos começar de um jeito gostoso. Se
continuar desconfortável para você, podemos interromper. Há algo
mais? — a voz macia de Heitor me acaricia e conforta por dentro.
— Beni.
Heitor olha para o bebê dormindo no sofá.
— O que tem ele?
— É meio estranho, ele está no quarto ao lado…
Viro o rosto meio sem graça, e ele sorri.
— E daí? Pais com crianças pequenas continuam fazendo sexo.
Caraca! É verdade. Eu não tinha pensado nisso.
— Eu só não quero me sentir uma mãe desnaturada, sabe?
Ele dá uma risada completa e me puxa para seus braços.
— karol , você pensa muito. Que tal deixar as coisas fluírem?
O acaso me colocou de frente para você. Tinha que escolher entre
Fernando de Noronha ou Angra dos Reis e escolhi vir para cá. Será
que isso não quer dizer alguma coisa?

Minha perdição   (Terminada )Onde histórias criam vida. Descubra agora