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RUGGERO


Eu só precisava de algo para colocá-la contra a parede e saber
se ela mentiria ou não. Se karol  mentir sobre a origem do bebê,
então terei certeza de que ela é uma pilantra como a irmã. Se ela
contar a verdade, eu baixarei minha guarda e vou poder aproveitar os
momentos com ela. Tudo isso deve ser meticulosamente planejado,
nada pode dar errado. Eu já tenho o babaca do Renato de olho em
mim, não posso dar motivos para suspeitas.
Caminhamos de mãos dadas pelas ruas de Angra. Karol  me
disse que depois quer me levar no salão para conhecer as amigas
dela. Eu disse que só espero que elas sejam mais amigáveis do que
Renato.
Estamos quase chegando na loja, conversando animadamente,
quando ouço uma voz masculina.
— carolina ? — ainda de costas, me enrijeço. Karol  vira-se
imediatamente na direção da voz que a chama.
Eu também me viro e dou de cara com um homem que usa uma
regata e bermuda exibindo um braço tatuado. Ele nos olha com
interesse.
— Carolina ! — ele exclama alegremente e caminha para perto.
Antes que karol  possa desfazer o equívoco, o cara continua — A
última vez que nos encontramos, você tinha acabado de dar à luz.
Como está Bernardo, seu bebê? Desistiu da ideia louca de colocá-lo
para adoção, não é? — karol  está pálida, quase morta, acho que
nem respira e não olha para nenhum lugar que não seja para mim. O
cara parece nem se importar, me estende a mão.
— Oi, sou Virgílio, ex-colega de classe de Carolina , fizemos
Publicidade juntos. Você deve ser o namorado dela, o…

— Sou Heitor — antecipo. — E essa não é a Carolina . — Eu
desfaço o equívoco, já que karol  não pode falar, no momento está
chocada demais.
O tal Virgílio nos olha desconfiado, passa os olhos de mim para
a apática karol  e dá um tapinha na testa.
— Verdade, cara! Carolina  disse para a gente que tinha uma irmã
gêmea. — Ele olha atentamente para karol , que parece estar tendo
uma dor de barriga. — Porra, vocês são idênticas.
Uma minúscula lágrima começa a se formar nos olhos dela. Os
lábios quase somem em uma fina linha e o maxilar se enrijece.
— Desculpe, estou ocupada, preciso entrar.
— karol ! — Tento segurar no braço dela, mas ela solta e corre
para dentro da loja.
— Foi mal aí, cara — o homem fala e se afasta.
Corro para dentro da loja atrás dela. O momento chegou, é hora
de saber se ela vai ou não contar a verdade.
Bato na porta do banheiro.
— karol .
— Vá embora, Heitor.
— Fale comigo.
— Me deixe. Eu preciso… ficar sozinha…
— Não vou sair daqui até que abra essa porta — grito e continuo
batendo.
— Me deixe, porra! — ela grita desesperada e, pela voz trêmula,
posso saber que está chorando.
Exalo profundamente e fico sentado no chão, ao lado da porta.
No silêncio, posso ouvir o choro dela. Os minutos passam, voam e,
de repente, a porta se abre e Renato entra desgovernado. Me ponho
de pé em um salto.
— Onde ela está? — Ele já vem com toda fúria para cima de
mim e me segura pelo colarinho. — Onde ela está? O que você fez
com ela, seu desgraçado? — ele grita, espalhando gotículas de
saliva.
Bato as mãos no peito dele e ameaço em tom muito violento:
— Me largue, ou eu não respondo por mim.
A porta do banheiro se abre e karol  sai com os olhos
vermelhos pelo choro.
— Renato, está tudo bem.
Renato me solta e praticamente me esquece. Corre em direção
a ela.
— karol , o que aconteceu?
Antes de falar, ela olha para mim.
— Heitor, pode nos deixar a sós?
— karol … — tento protestar.
— Por favor, preciso ficar a sós com Renato. Depois a gente
conversa.
Como eu sei a gravidade do assunto, eu saio da loja me fingindo
revoltado. Com as mãos no bolso, olhando atento para os lados,
começo a entrar em uma rua e outra, andando sem parar, até chegar
ao apartamento que aluguei aqui, onde ficam meu carro, as coisas do
escritório e tudo o mais.
Subo o elevador, abro a porta e alguém já me espera.
— Obrigado, cara. Te devo essa — digo.
Agustín  já vestiu um terno e se olha no espelho. Com uma cara
presunçosa, ele fala:
— Cara, já posso ganhar o Oscar. Acha que fui bem? — ele se
refere à atuação como o tal Virgílio, “amigo” de Carolina .
— Você foi ótimo. — Agora não tem mais para onde karol
correr, Heitor acaba de saber sobre o segredo dela. Ela tem que me
contar que não é mãe de Bernardo.
Esse plano maluco foi ideia de mike , quando nos falamos hoje
cedo. É incrível que quando quis conquistar valu, ele não sabia o que
fazer, e agora me dá as melhores ideias.
Eu só posso sentir muito por estar tão preparado, com dois caras
me ajudando, enquanto ela está andando no escuro ao meu lado.

KAROL

Estou de pé, em frente ao túmulo de Bernardo. Não venho aqui
há meses, porque eu precisava seguir em frente por causa do bebê.
No dia em que parei de chorar, em que aceitei a morte de Ben,
prometi a ele, aqui nesse mesmo lugar, que eu nunca deixaria nada
acontecer a Beni. Eu me fortaleci e fui em frente, mas agora tudo está
desmoronando na minha cabeça.
Por que Carolina  contou para outras pessoas? Me pergunto isso a
todo momento. Ela me prometeu que tudo seria sigiloso, ninguém
mais saberia.
Ontem, quando aquele cara se apresentou como amigo dela, eu
chorei. Não porque Heitor estava ao meu lado, mas pelo medo de  perder meu bebê. Se esse cara me encontrou aqui, se estranhos
sabem do caso, eu acho que estou correndo risco. E se ele conhece
o pai do bebê? E se esse tal Ruggero  vier atrás de mim? Meu Deus! Eu
não saberei como lidar, nem eu, Renato ou meus pais temos chance
alguma de vencer uma pessoa desse tipo em um tribunal. Os ricos
com seus vários advogados sempre conseguem tudo.
— Estou com tanto medo, Ben. Tudo que eu tenho é Bernardo…
O que eu faço? — pergunto bem baixinho e olho sem piscar para as
nuvens, como se esperasse uma reposta sobrenatural.
Ontem, quando estava presa no banheiro, liguei para Renato, e
ele veio voando. Ele quer que eu fique segura e, segundo ele, a
primeira coisa a fazer é me afastar de Heitor. Lógico que ele iria me
propor isso, não fiquei surpresa.
— kah , esse tal cara já sabe do bebê. Se Heitor souber, será
mais um a compartilhar seu segredo. A fofoca pode chegar rápido ao
pai do menino. Pense nisso — ele disse, enquanto estávamos na
minha loja de portas fechadas. Heitor já tinha saído, com uma
aparência terrível. Parecia sentir ódio, mágoa, curiosidade. Tudo.
Eu sei que ele deve estar revoltado comigo porque eu não
confiei nele e o mandei ir embora, mas não tinha outra solução.
Desde ontem não o vejo e isso acabou comigo. Eu só queria ter
chegado em casa e ter os braços dele para me confortar. Entretanto,
sei que ele vai exigir uma explicação da minha parte e, só depois,
talvez, eu poderei abraçá-lo.
Renato foi para casa comigo e dormiu no sofá. Ele disse que era
para eu me sentir protegida, mas tenho certeza de que foi para
manter Heitor afastado. Renato está puto com a vida depois que
cantou para mim e eu o descartei.

Minha perdição   (Terminada )Onde histórias criam vida. Descubra agora