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KAROL

Abaixo, coloco o buquê no túmulo e cruzo os braços, me
protegendo do vento. Já são cinco da tarde e o sol começa a se pôr.
É uma visão deslumbrante. E, como se pressentisse, eu fecho os
olhos e respiro fundo. Sabe quando nosso sexto sentido nos avisa
que estamos sendo observados? É assim que me sinto agora.
— Quero ficar sozinha — eu digo.
Sei que tem alguém atrás de mim e, apesar de ter desejado que
ele estivesse comigo ontem, eu não quero que ele presencie esse
momento.
— Saiba que eu não vou te julgar por nada — Heitor diz, faz uma
pausa e completa — Vou te esperar na saída.
Assim que ouço os passos se afastando, respiro aliviada,
aliviada de verdade. Eu achei que ele estivesse com rancor ou
alguma coisa assim. Essa noite eu não dormi nada com medo de ter
perdido meu caso mais recente.
Meu Deus! Esse homem é tudo o que eu pedi. Será que é
mesmo real? Heitor tem todas as características de um cara que quer
se amarrar a alguém, que querer se aquietar. Ele é sincero, dedicado,
carinhoso e, agora sei, compreensivo. Renato quer que eu me
desfaça dele, mas isso é quase impossível. Heitor é tudo o que eu
preciso para me fortalecer nesse momento.
Deixo um último adeus a Bernardo e saio do cemitério.
Com um jeans gasto, botas esportivas, camiseta preta e óculos
escuros, Heitor me espera encostado em uma árvore. Se vocês não
encontrarem no dicionário o significado da palavra perdição, eis aqui,
o significado personificado em minha frente.
Ele caminha em minha direção e estende a mão. Sem dizer
nada, sem perguntar nada. Eu coloco a minha sobre a dele, e ele me  puxa de mansinho para um abraço reconfortante. Eu nem sonho em
protestar. É tudo o que eu queria desde ontem. Afundo meu rosto no
peito dele e aspiro fortemente, sentindo o cheiro e me sentindo em
casa, segura, longe de qualquer ameaça.
Ele beija minha testa, levanta meu rosto com a mão em meu
queixo e me olha sério.
— Vamos para casa — ele convida, e eu confirmo com um
movimento de cabeça.
Abraçada a ele, saímos caminhando dalí.
Chegamos em casa, Emily está com Bernardo e eu a libero para
ir embora. Heitor me deixa na sala e vai para a cozinha, fica lá por
algum tempo e, quando volta, está com uma xícara fumegante nas
mãos.
— Os ingleses tomam chá em todas as ocasiões, para festejar,
para se consolar ou apenas por tomar. Preparei uma xícara para
você. — Ele me entrega a xícara, o cheiro é delicioso.
— Não sei se ficou muito bom.
— Eu serei sua cobaia? — pergunto, tentando ser legal.
Ele pega Bernardo e senta com ele no colo ao meu lado.
— Sim. Vamos ver se você vai ficar verde ou azul — diz isso, me
deixa de lado e volta a atenção para o bebê. Ele coloca Bernardo de
pé em seu colo e começa a conversar com o menino.
O silêncio entre nós dois cai como uma bomba. Eu sinto que,
mesmo ele sendo um fofo, ainda tem um clima estranho entre a gente
por causa do que ele ouviu ontem e, se eu quiser ficar com Heitor,
preciso contar a ele tudo, esclarecer as coisas. Mas acho que não
hoje. Renato pediu que eu inventasse alguma coisa, que contasse
uma mentira para Heitor. Estou pensando nisso, afinal, ele jamais

poderá saber se eu estou ou não falando a verdade.
— Como me encontrou no cemitério? — pergunto, mirando um
ponto no vazio.
— Hoje cedo eu tive uma sessão de fotos no Rio. Quando
cheguei, vim falar com você e vi quando estava saindo. Sinto muito
por tê-la seguido.
Viro-me para ele e sorrio.
— Sem problemas. — Mais uma vez ficamos em silêncio.
Apenas Bernardo balbucia, e nós dois olhamos para o garoto.
— Tentei falar com Renato, mas ele me expulsou da padaria —
Heitor fala baixinho, e eu sinto pena.
Ele deve ter ficado tão confuso, sem saber o que estava
acontecendo. Ontem ele ficou na porta do banheiro esperando eu
sair, e eu o expulsei. Por que ele ainda está aqui? Qualquer homem
iria agir com hostilidade depois de tudo, mas ele me preparou chá.
Acho que preciso contar a ele, nem que seja uma mentira.
— Dorme comigo hoje? — Peço, segurando na mão dele.
— Claro. Só preciso passar em casa para buscar algumas
coisas.
— Eu vou preparar alguma coisa para a gente comer.
***
Mais tarde, enquanto preparava os últimos detalhes para o
jantar, meu celular tocou e corri para atender. Já estou atarefada
tendo que cuidar do jantar e entreter Bernardo, que não está
ajudando. Justamente hoje ele quer ficar no colo, acho que está
enjoadinho por causa dos dentinhos que estão nascendo. Tiro-o da
cadeirinha alta e atendo o celular. É Carolina . Ela nem espera eu dizer
“oi” e já vai falando afobada.

Minha perdição   (Terminada )Onde histórias criam vida. Descubra agora