Sigo pela imensa estrada que liga lugares completamente distintos e opostos: Asfynraer e O Templo, no coração da cidade.
Os dois símbolos mais fortes e amedrontadores que temos. Vida e morte. Pecado e redenção. Ruína e esperança. Ligados por uma grande via reta e indiferente, O Caminho das Chamas. Somente utilizado por duas estirpes de pessoas: marginais criminosos ou aqueles que os caçam, nós, assassinos.
O barulho torna-se quase ensurdecedor conforme avanço pela cidade. Nossas milhares de torres altíssimas se erguem da areia trazida constantemente do deserto como espinhos colossais, tão altas e tão prolíferas que confundem a minha visão.
A maior e mais opulenta de todas é o meu destino: O Templo.
Paro diante dele, me ajoelho e faço um pequeno corte em meu braço. Deixo que uma gota de sangue caia no degrau do templo e recito as palavras.
O ritual significa que meu sangue pertence à Cursien e as palavras são a declaração disso.
Todo assassino precisa fazer isso todas as vezes que vai ao templo.
Um filhote mackat me observa, com certeza não entende absolutamente nada do que estou fazendo ou falando, até que sua mãe o puxa para longe, tampando seu rosto.
Os Mackatir são uma raça particularmente simpática para mim. São pequenos, arredios, rápidos, ótimos comerciantes e fazem uma coisa que me deixa ainda mais fascinada que o grande deserto... Eles chamam de música. Dizem que aprenderam com seus ancestrais que vieram de outros mundos em tempos imemoráveis. Dizem que a música foi criada quando a magia escorreu pelas fissuras das fontes.
O povo da cidade odeia música.
Já eu, odeio a cidade.
Quando entro no templo todas as strifyr estão postadas em um grande círculo. O ritual já estava para começar. Todas com seus mantos decrépitos e sinistros.
A mais alta estirpe das raças de Cursien. A elite da elite.
Strifyr puros são os únicos em todo nosso mundo que conseguem se conectar com os traços restantes do poder.
Há muito tempo, a magia de nosso mundo havia sido quebrada, maculada, destruída irreversivelmente pelos monstros de fogo. O que restou foram apenas cacos, vestígios. E esses são pontiagudos, traiçoeiros e cobram um preço muito caro.
Mesmo conseguindo tocá-los, os Strifyr têm seus corpos e mentes deteriorados, machucados e danificados.
Um simples encantamento pode custar-lhes um braço, os olhos, a sanidade.
Eles são os que mais se sacrificam pelo bem de todos.
— Aproxime-se, Nemirya — uma das strifyr fala, dirigindo-se a mim.
Obedeço.
O manto dela é gasto e marrom, sua aparência é antiga para um deles, porque normalmente morrem muito jovens. Suas mãos e pescoço necrosados e negros denunciam que seu tempo tem sido longo no mundo. As pinturas em seu rosto mostram que é capaz de fazer magias poderosas.
São as inscrições em sua pele que permitem a conexão com os vestígios.
Uma onda fria passa por mim e eu tremo. Sei que não é pelo clima escaldante, mas, sim pelo medo.
Histórias dizem que nas eras do fluir livre da magia, pessoas nasciam com essas marcas na pele, não precisavam pintá-las. Imortais e extremamente poderosos. Formavam um só ser com a própria Fonte.
— Sua missão já foi estabelecida — a strif fala para mim, com uma voz gutural e bela.
Eu me ajoelho e mostro o corte em meu braço, demonstrando que aceito.
Não é permitido dirigir palavra àqueles que acessam os resquícios.
Um dos servos do templo se aproxima de mim com um pequeno vidro contendo água artificial.
Pego o frasco e minha garganta dói lembrando-me da sede terrível que me acompanha há dias.
Não existe água verdadeira em Cursien e a artificial é nosso artigo mais raro e precioso. Muitos trocariam seus filhos, seu sangue, por um vidrinho daqueles.
Eu nunca havia visto água verdadeira em toda a minha vida, porém, sabia bem que em nada parecia com o líquido vermelho claro que tinha em minhas mãos, que mais parecia sangue diluído.
Tudo em Cursien é vermelho, marrom, preto, amarelo ou laranja. Às vezes me perguntava se existiam de fato as cores que já vi representadas em pergaminhos e livros.
Uma das strifyr da roda faz um novo símbolo em seu braço com um objeto longo e fino, enquanto a que já estava falando comigo diz:
— Beba sua força, assassina da escuridão.
Deixo a água escorrer para dentro de mim, sinto fogo e frio ao mesmo tempo.
Sinto meus olhos chamuscarem.
É o que eu sou.
Caçadora de monstros. Matadora das trevas. Assassina da escuridão.
E antes do sol raiar novamente, centenas de corpos de monstros estarão aos pés do Templo.(767 palavras)
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Assassina da escuridão
خيال (فانتازيا)Em um mundo devastado pela guerra, a magia foi quebrada a ponto de quase ser aniquilada e a água, algo considerado comum, tornou-se inexistente. Entre as areias escaldantes, construções titânicas e desolação, sobrevivem raças diversas, cada uma sobr...