Ela apertou os olhos contra a luz que insistia em alcançar seu rosto. Abraçou seu estado entorpecente, levando a dor pulsante em sua cabeça para longe enquanto se entregou novamente à sonhos obscuros.
Seu peito subiu e desceu profundamente por muitas horas enquanto o mundo lá fora seguia com sua natural essência visceral inquieta. Ela seguia no mais profundo dos sonhos.
Quando a lua já havia tomado seu posto no céu, sons tímidos de cristais suspiraram em seus ouvidos como o canto da brisa de outono: suave e triunfante. Ela conhecia esse som, esse chamado. E apenas ele foi capaz de invocar sua consciência de volta à superfície.
A dor havia lhe deixado, como se tudo que ela precisasse para sentir seu corpo revigorado fosse algumas horas de sono. A seda dos lençóis acariciaram seu corpo conforme se espreguiçava, e ela afundou o rosto na maciez do travesseiro uma última vez antes de finalmente abrir os olhos.
Uma corrente de cristais pendia da janela suntuosa, refletindo pontos prateados iluminados pela lua cheia. O quarto deveria ser pintado de azul celeste, mas àquela hora ela se encontrou cercada por um pálido cinza nublado. O tom das dúvidas e confissões.
Sua respiração se tornou ofegante, e mesmo esfregando os olhos, ela não sabia onde estava. Por um instante ela se viu em uma ilustração de contos de fadas, em um quarto digno de uma princesa. Medo, deslumbre e curiosidade tomaram seu coração enquanto observava os pequenos detalhes na decoração que a fazia pensar que ainda estava sonhando: os lençóis prateados, o abajur arredondado cravejado com pequenas pérolas, as flores selvagens e frescas que a envolviam aroma de lavanda, eucalipto e mar.
O quarto era belo demais para que o desespero tomasse conta de sua mente. O som de ondas se chocando contra as pedras a acalmava em uma canção de ninar etérea e bem-vinda.
Andando até a janela, ela puxou uma grossa corda azul marinho e as cortinas revelaram a gigantesca parede de vidro que pintava a sua frente o quadro imortal do oceano beijando as estrelas.
Ela não estava respirando, percebeu. Era como se ao estar diante de tal beleza, ela não precisasse de ar. Apenas dessa vista.
Ela percebeu um fecho de metal que dividia a imponente janela em partes menores, e notou que algumas estavam abertas, recebendo a brisa do Outono.
Seus dedos fizeram o caminho para alcançar o vidro, mas nunca chegaram a concluir o movimento.
Ela havia ficado tão encantada com o ambiente misterioso onde estava, que não prestou atenção em si mesma.
E aquelas mãos, não eram dela. Os dedos alongados, a cicatriz no centro da sua palma esquerda, as unhas compridas e limpas.
Forçando a vista, ela procurou o seu reflexo diante do quadro do firmamento à sua frente. E ali na escuridão, ela percebeu a imagem de uma jovem. O corpo esguio com curvas delicadas, os cabelos castanhos que pendia em ondas suaves até o quadril, os olhos grandes, amendoados e gentis. Uma fina camisola preta envolvia seus braços por completo, mas não fazia muito para esconder seus seios. A brisa gelada que seguiu mostrou que suas costas também estavam expostas. Assim como boa parte de suas pernas.
O reflexo imitava seus movimentos com perfeição, mas ela não reconhecia quem a encarava de volta. Jamais em toda sua vida havia visto aquele rosto, aquele corpo, aquele... vestido.
Ajoelhada no chão, ela buscou se lembrar de quem era. De qual era seu rosto. Se era aquele ou qualquer outro. Tentou se lembrar de algo que já havia vivido.
O nome de algum lugar.
O seu próprio nome.
Lhe parecia insano poder nomear a lua e cada uma das constelações a sua frente, mas ser incapaz de recordar quem era.
Não conhecia sua personalidade.
Não sabia do que era capaz.
Não sabia se era capaz de alguma coisa.
Até então, só podia afirmar que sentia medo e curiosidade em proporções perigosas.
Ela não sabia onde estava, ou quem a aguardava do outro lado dessa porta.
Além da janela ela possuía a liberdade do penhasco e do precipício.
Ela não sabia quem era, mas sabia que queria viver. Ela só precisava descobrir sua identidade.
Andando pelo quarto, ela revirou armários e gavetas buscando por algo que despertasse alguma lembrança. Ao lado do abajur em uma caixa de madrepérola, um bilhete sem assinatura dizia:
"Te aguardo no final da escadaria à meia noite.
B."
Quem seria B? Será que essa pessoa sabia que ela não lembrava quem ela era? Será que era um aliado ou um inimigo?
Possivelmente B teria algumas respostas. Mas será que era a pessoa mais indicada para ouvir suas perguntas?
E que tipo de nome é "B"?
Não havia um título, um sobrenome, nada que indicasse seu status... Isso só poderia significar que "B" era alguém próximo. Talvez até mesmo, íntimo.
Ela provou da letra em seus lábios finos. A sensação era familiar, mas não denunciava nada além disso.
Talvez ela também pudesse ter uma letra. Ao menos enquanto não lembrava seu próprio nome.
Ela repetiu o alfabeto até chegar na letra "L".
"Elle"
Ela gostou de como soou. De alguma forma ele encaixou com a sensação que assombrava seu peito.
Ela abriu a porta do quarto para encontrar um misterioso corredor obscuro, palidamente iluminado por velas prateadas. Cada passo dos seus pés descalços contra o carpete rubro encaixou com uma das 12 badaladas que ecoavam pelas paredes.
Mas ela não via B em lugar algum.
Elle já tinha um nome. Agora só precisava de um passado.
A jovem não esperava que ele fosse cumprimentá-la totalmente vestido de preto como se a própria noite encarnada viesse beijar sua mão.
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Inicial
FantasyElle possui apenas duas coisas: Uma letra e a incerteza sobre seu passado. Ao acordar sem memória, uma jovem descobre que está em uma mansão preenchida por mistérios e energia maligna. A única coisa que sabe, é que um grande baile aguarda pela sua c...