O senhor X sumiu a alguns dias.
O senhor X morava sozinho. Não tinha mais amigos. Ele falava sozinho. Ria de coisas aleatórias. Balbuciava frases sem sentido. Tinha hábitos estranhos, como vagar pela cidade a altas horas da madrugada, às vezes gritava com as árvores.
As pessoas ficavam com medo de chegar perto dele. Quando ele notava que elas o encaravam, parecia que ele se tornava agressivo. Então, todos o evitavam.
Diziam que o senhor X nem sempre foi assim. Algumas pessoas falam que ele ficou assim após o sumiço de seu filho. Outras pessoas, mais maldosas, dizem que ele ficou assim justamente porque ELE sumiu com o próprio filho.
Mas o que nos importa nesta história é que tudo começou quando ele e seu filho se mudaram para uma pacata cidade pequena, cercada de floresta e natureza pra todas as direções. Aquelas típicas cidades pequenas, em que todo mundo se conhece e a taxa de mortalidade se deve a causas naturais.
O senhor X e seu filho eram apenas mais duas pessoas comuns, nada de mais ou de menos. A criança ia pro colégio enquanto seu pai saía para trabalhar na cidade grande – emprego bom, pagava bem e nem era tão longe – uma hora, uma hora e meia de distância de carro.
As coisas iam bem.
Um dia, enquanto brincavam, os amigos do pequeno T resolveram pregar uma peça no menino – só por gozação mesmo, sabe.
Eles queriam entrar em uma espécie de túnel desativado, falando que iriam provar quem era corajoso. Até aí, coisa de criança.
Eles começaram a fazer brincadeiras com T, que tinha alguns problemas com espaços fechados. Meio que o levaram junto, contra sua vontade. No começo, T estava apavorado e pedia pra ir embora. Porém piorou a medida que avançaram na escuridão do túnel e o menino caiu em algum buraco profundo – eles não fizeram isso por mal, acidentes acontecem. Os outros meninos não sabiam o que fazer, então sairam do túnel e procuraram ajuda. T ficou sozinho, no escuro, em um lugar horrível. Nos primeiros minutos, T estava completamente sozinho. Mas começou a sentir que mais alguma coisa estava lá embaixo com ele. T sabia que era uma questão de tempo até que a coisa o encontrasse.
T estava desesperado, gritava e chorava. Tentava subir pelo buraco onde caiu. Também tentava achar alguma saída. Mas alguma coisa aconteceu.
As luzes lá em cima começaram a brilhar. O menino foi encontrado inconsciente. Foi aqui que as coisas começaram a mudar.
No começo, T parecia estar bem – apesar do susto. Porém, a medida que o tempo avançou, o pequeno T começou a se tornar recluso, solitário. Passou a não falar com ninguém na escola. Às vezes até mesmo faltava, sem razão aparente.
Seu pai foi chamado uma ou duas vezes para saber se tinha algum problema em casa. Talvez fosse coisa de criança que se mudou e passou por uma experiência ruim recentemente. É possível, né.
T parou de ir para a escola, enquanto o pai trabalhava. Mesmo quando o pai o levava, ele dava um jeito de simplesmente sair. Às vezes, ficava olhando para as árvores por bastante tempo. Em outras vezes, sumia entre elas e só aparecia horas depois.
Durante essa época, T desenvolveu a habilidade de desenhar – algo que mantinha apenas para si mesmo, escondido.
Em seus desenhos, ele sempre fazia coisas parecidas. Toda a rota vívida do túnel. Em algumas sequências de desenhos, ele se colocava em primeira pessoa no que parecia ser o centro ou final do túnel e, depois, passava por todo ele até encontrar a luz no final.
Em outras sequências, ainda em primeira pessoa, havia outra pessoa entrando junto no túnel e se perdendo lá. Apenas uma pessoa saía.
Com essa habilidade de desenhar também veio uma onda noturna. T acordava assustado no meio da noite, aos gritos. Estava enloquecendo seu pai que, sem saber o que fazer, o levou a um psicólogo dias mais tarde. Nada foi detectado na criança, perfeitamente sadia. Algumas noites depois, T se levantava durante a noite e ficava parado na janela, encarando as árvores e a escuridão por horas. Seu pai até o encontrou frente a porta, parado, como se tentasse abrí-la. Numa destas noites, o senhor X encontrou o filho lá fora, no frio, parado, olhando para as árvores e para a escuridão.
Era mais uma destas noites. Quase natal. Fazia muito frio. O senhor X estava nas ruas, procurando pelo filho. Pediu ajuda aos vizinhos, chamou a polícia.
O menino havia sumido sem deixar traços, como se nunca tivesse existido.
Ninguém nunca encontrou uma pista sequer, mesmo procurando de todas as formas. E isso devastou o senhor X – a gota dágua para a fragilizada mente dele.
Um ano mais tarde, enquanto tentava superar lentamente a perda misteriosa do filho, confidenciou a uma ou duas pessoas que havia encontrado uma caixa com vários desenhos estranhos – ninguém nunca viu tal caixa ou mesmo os desenhos.
Uma esperança se acendeu no coração do senhor X, que passou a esmiuçar os desenhos para tentar entender seu significado. Todos achavam que ele estava louco. E de fato, talvez estivesse. Já não trabalhava mais. Mal comia ou dormia. Se afastou de tudo e todos.
Então, passou a frequentar o túnel. Durante a noite. No começo, apenas alguns metros a frente e voltava, pois era muito frio. Então, cada vez mais, avançava na escuridão. Passava horas lá dentro. E nunca parecia ter fim.
Cada sombra que sua lanterna iluminava lhe enchia de esperança, mas rapidamente se acabava ao notar que não era nada de mais. Ele passou a ver coisas onde não havia nada e passou a ignorar o que estava de fato lá.
Em uma das visitas noturnas, o senhor X achou ter visto alguma coisa. Então, para se certificar, levou seu revólver e passou a noite inteira no túnel. Conversando sozinho, gargalhando, falando com alguma coisa que talvez estivesse ou não lá.
Foi então que ouviu alguém chamar seu nome. Ele sabia de quem era a voz. Era a voz de seu filho. O chamava para que passassem o natal juntos novamente.
Obviamente, o senhor X aceitou. Quem não aceitaria? Reencontrar o filho desaparecido a um ano. Foi então que o senhor X se aprofundou cada vez mais no túnel. E encontrou uma passagem que ninguém conhecia, graças aos desenhos.
Ele desceu pelas profundezas da terra. Ficava cada vez mais quente e o odor era quase incapacitante – o senhor X vomitou uma ou duas vezes, enquanto caminhava.
Ele parou frente a uma porta pesada de metal. Parecia emperrada, mas entreaberta. Alguma coisa escorria pelo chão, formando uma espessa névoa esverdeada.
– Por aqui, papai – chamava-lhe a voz de T, seu filho.
O senhor X forçou a porta de todas as formas que pôde, até chegou a machucar as mãos e um dos ombros no processo. Mas conseguiu abrí-la.
A fumaça esverdeada saiu com uma lufada de vento forte.
Foi então que o senhor X viu aquilo. O erro que cometera havia lhe condenado. Uma massa amorfa de coisas e restos de pessoas repousava no centro da sala. Convulsionava, chorava, gritava. Era uma visão aterradora.
O senhor X levou a mão a boca, não acreditava no que via. Porém começou a chorar, quando viu seu filho em meio àquela coisa. Ainda parecia vivo.
A coragem de tentar tirar seu filho daquilo o fez se aproximar da coisa toda. Sem perceber, os tentáculos gasosos lhe envolviam. Um deles pegou sua perna.
Foi então que o senhor X se deu conta do que lhe aconteceria.
E só havia uma alternativa naquele momento.
Apontou o revólver 38 para a própria cabeça e, aos prantos, jurou que o inferno seria melhor do que se tornar parte daquilo.
Mesmo após o suicídio, o senhor X descobriu que não poderia escapar daquela coisa.
Para sua surpresa, porém, houve um único alento. Estar junto de seu filho – também aglutinado àquela coisa amorfa.
A alguns dias atrás, o senhor X desapareceu. As pessoas procuraram em sua casa e encontraram os desenhos que ele havia mencionado. Uma ou outra pessoa seguiu os mapas. O que terá acontecido com elas?
Talvez ... nunca saibamos ...
Na escuridão, a coisa encontrou o hospedeiro perfeito. Jovem, saudável e de vontade frágil. Era apenas questão de tempo.
Se a humanidade tiver sorte, provavelmente, o jovem T jamais será visto novamente.
O jovem T, o senhor X e todos aqueles que adentrarem o túnel.
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Último recurso
Mystery / ThrillerAlgumas coisas devem ser mantidas na ignorância. Esta é uma delas.