"Nana neném"
-Se acalma. Tudo vai ficar bem. Vá pro seu quarto.
Minha mãe sempre dizia isso naquelas noites. Mas o medo sempre me alcançava.
Vivíamos relativamente bem, numa casa no centro da cidade. Meu pai trabalhava em uma corretora de imóveis e minha mãe era costureira. Uma família feliz aos olhos da maioria dos conhecidos. Infelizmente, apenas os mais íntimos saibam a dura realidade. Meu pai era brincalhão, vivia fazendo as pessoas em sua volta rirem com piadas e histórias hilariantes. Minha mãe estava sempre sorridente, não ria com as piadas de meu pai. Era uma máscara de sobrevivência que escondia a dor por trás daquele teatro de família feliz. Um folclore urbano.
Eu tinha uns oito anos quando tudo acontecia. Estava geralmente me preparando para dormir. Nossas memórias da infância na maioria das vezes são nebulosas e difíceis de lembrar. Mas essas não. Essas eram escuras e doloridas como os hematomas que marcavam o corpo da minha mãe.
"Que a cuca vem pegar"
Ele chegava como um monstro no fim da noite, pelo menos duas vezes por semana. O bom humor e as brincadeiras se tornavam violência e loucura depois de uns copos de qualquer bebida barata. Às vezes estava até com marcas deixadas por outras mulheres que se envolvia na rua ou no trabalho. Não fazia questão de esconder. Minha mãe tentava me proteger e afastar daquelas cenas horrendas. Mandava-me em direção ao quarto, mas não adiantava nada. O som do grito abafado e do choro contido sempre chegava até mim, assim como o monstro que ele se tornava.
Após se gabar que sustentava aquela família e da briga sem sentido com sua esposa, que não passava de um enfeite social, ele ia até meu quarto. O cheiro de álcool era acompanhado de alguma esperança de arrumar o que já tinha feito. Vinha me tocar com aquelas mãos sujas de violência que tinham acabado de agredir minha mãe. Era pior que um pesadelo. Talvez estivesse dentro de um pesadelo mais não conseguia acordar. Teria sido melhor se a Cuca tivesse mesmo vindo me pegar.
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O Monstro
Non-FictionUma realidade assustadora muito presente no dia a dia de muitas famílias.