Capítulo Único

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Eu me lembro de cada amor. De cada olhar, pensamento, desejo, suspiro, toque. Afinal, Eu estou lá em todos eles.

Quando sabem quem Eu sou, muitos imaginam que presencio tantos detalhes que nem todos são "bons o suficiente" para tomar espaço em Minha memória. Eu lhes digo que não é bem assim que funciona. Vejam, é difícil explicar para quem não consegue captar toda a experiência que é ser algo como Eu. Mas saibam que Eu me lembro de tudo e de todos, mesmo que sejam muitos, ainda mais para vocês, que não compreendem as dimensões como a Mim.

Ainda assim, há de fato aqueles que Nos marcam mais do que os outros. Cujo sentimento é tão fervoroso, tão intenso e transcendental, que não há como deixar de relembrá-los com uma saudade agridoce.

Lembro-me de duas jovens, tão belas quanto jovens mulheres poderiam ser. Uma delas era Pauline Dimakos, uma moça de cabelos pretos cacheados curtos na altura da nuca seguindo uma nova moda que ressurgia, a pele olivada dos ombros e do rosto enfeitadas com umas poucas sardas. Seus olhos castanhos eram tão vívidos e curiosos que poderiam abrigar um universo inteiro em suas írises, assim como sua própria personalidade.

A outra era Aphrodite Maxwell, e você pode imaginar porquê esse nome sempre Me faz sorrir um pouquinho. Ela parecia um certo oposto de Pauline, mais reflexiva, com sua beleza e sensualidade reservadas, daquelas que te conquistam só com um olhar. Os cabelos dela eram lisos e escorridos por toda a extensão de suas costas num misto de loiro e ruivo, sua pele era clara como porcelana e as maçãs do rosto altas emolduravam sua face como uma escultura.

Foi por um acaso de um dia quente do verão de 1972 que as duas se encontraram nas margens de um lago do Michigan onde muitas famílias decidiram acampar. Era difícil não notar nenhuma das duas passando por perto, tão belas como eram.

Aphrodite gostava de caminhar pelo píer, colocar os pés na água e olhar para baixo, tentando desafiar seus olhos a vislumbrarem o que vivia nas profundezas. Eram algas? Ou peixes? Aquilo que cintilava seria uma concha ou apenas uma pedrinha refletindo a luz do sol?

— Procurando alguma sereia?

A voz a fez dar um pulo. Quando se virou, viu a moça morena com um óculos de sol e as mãos nos bolsos dos shorts, a luz do sol por trás de seus cabelos e um sorriso brincalhão nos lábios. Aphrodite corou e disfarçou.

Ela estalou a língua, segurou as mechas do cabelo e se inclinou um pouco mais para frente.

— Hm, não sei, mas acho que vi um tritão — brincou de volta.

As duas riram. Pauline aproveitou o momento para se sentar ao lado da outra, ambas aproveitando juntas o frescor da água e do vento, e a beleza da paisagem arbórea ao seu redor.

— Eu sou a Pauline — ela estendeu a mão. — E você?

— Aphrodite.

Pauline ergueu as sobrancelhas, o queixo caído. Aphrodite já esperava por alguma reação engraçada ou exagerada, pois todos sempre ficavam curiosos com o fato de ter o nome de uma deusa grega, e ainda um nome tão longo, não como Diana ou Juno - mesmo que esses sejam as versões romanas - muito mais comuns.

— É mesmo?! Que coincidência! Menina, sabia que minha família é grega?

Foi a vez da outra se surpreender.

— Uau! Não diga?

— Sim, pois é! Meu nome completo é Pauline Dimakos.

Elas riram outra vez, um pouco mais descontraídas e familiarizadas. Relaxadas, surpresas... encantadas. Daquele minuto em diante não teve mais volta e Eu, com meus éons de conhecimento sobre o amor e a vida, sabia exatamente o que cada uma delas pensava e sentia, e cada passo que tomariam dali para frente. Afinal, Eu estive lá em todos esses passos.

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