SHAWN

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Eu estava em frente ao computador ouvindo aquela voz acelerada e robótica que lia todos os papéis da minha pequena grande empresa de fotografias a menos de dez minutos atrás.

Pra Aaliyah ter me ligado antes de eu encerrar meu horário de trabalho alguma coisa aconteceu.

- Ai, merda, isso dói. - ouvi Camila murmurar assim que girei a maçaneta na porta da frente.

Aí, Deus, é agora?!

- Amor? - a chamei. - Está tudo bem? O que você está sentindo?

- A bolsa rompeu a dois minutos atrás, Shawn. Não posso ajudá-la agora, estou de olho em Olívia, mas Sofia já foi buscar as coisas da bebê lá em cima e o papai está chegando.

- Estou aqui, bem. - um gemido sôfrego escapou de seus lábios e eu logo segui o som chegando, finalmente até ela que estava curvada.

- Filha, estou aqui. A voz da minha sogra entrou pelos meus ouvidos e Camila murmurou um "mãe" quase inaudível.

- Quem vai entrar com você? Apenas Shawn?

Alguns segundos de silêncio até que Camila endireitou a postura e fortaleceu a voz.

- Não mama, não abro mão de Aali lá dentro. - seu corpo virou vagarosamente. - Você consegue ir?

- Eu iria nem que fosse me arrastando.

- Bom, então vamos, não pode - Alejandro foi cortado pela voz da filha.

- As meninas ligaram pra vocês porque são atrevidas, não vou para o hospital agora. Ainda não estou com contrações espaçadas e não quero ficar internada lá por horas. Por favor, mama, me deixa ficar mais um pouco em casa.

- Como assim? - meu pai pareceu indignado. - Camila, meu bem, sei que acabei de chegar e não faço ideia do contexto mas, se tem dor, precisa do hospital.

- Não ouça ele, querida. Se as contrações não estão próximas, sou totalmente a favor de que você fique mais um pouco em casa.

- Obrigada, sogra.

Ótimo. Sempre achei que isso de que partos são demorados fosse coisa de filme mas, aparentemente, não é.

O que o homem faz nesse momento? Quer dizer, tudo fica pra cima da mulher? Eu estou mais que perdido. Me sinto levemente inútil.

Um homem completo, digo, um homem que enxerga, estaria agora juntando as coisas da criança. Mas, no meu caso, quem está fazendo isso é Sofia.

- Meu Deus. - suspirei. - Por favor, me diga o que devo fazer. Estou perdido. ‐ sussurrei em seu ouvido e ela buscou minha mão com a sua.

- Eu só preciso de você aqui. Estou com medo.

Gelei. Eu estou com medo. Os dois podem sentir medo nesse momento? Ou devo deixar o meu de lado e fingir estar totalmente seguro?

- Não tenha medo. Eu estou aqui e sempre vou estar. - devo deixar o meu medo de lado!

- Eu não imaginava que fosse doer tanto assim. - levei minha mão livre até a sua barriga que estava dura. - Ainda bem que teremos a melhor recompensa do mundo por causa dessa dor.

A melhor recompensa do mundo. Uma lágrima escorreu de meus olhos sem que eu percebesse.

A diferença do meu medo para o medo de Camila é nítida. Ela tem medo do hoje, do agora. Eu tenho medo do amanhã.

Até eu receber a notícia de que seria pai estava certo de que me daria bem mas, agora, consigo prever cada falha que vou cometer um dia.

Qual a pior parte de tudo isso? A pior parte é que em todos os meus fracasos eu coloco a culpa na minha falta de visão.

Permaneci andando pela casa com Camila por, pelo menos, três horas.

- Amor, acho melhor nós irmos. - sua voz soou calma, mas eu sei que ela ainda está com medo.

- Prefere que eu chame uma ambulância ou quer ir de carro?

- Aali, prefere ir de carro ou ambulância?

- Você realmente quer que eu vá?

- Claro. Você mesma disse que precisa ver o seu "clone" nascer. Você não quer ir?

- Aí meu Deus, Gus, eu vou ver minha sobrinha nascer. - ela soou eufórica.

- Você vai, meu amor.

Ela vai vê-la. Parece louco mas, o fato de que alguém irá, realmente, ver o nascimento da minha filha, me deixa radiante. Principalmente pelo fato de esse alguém ser Aali.

- Vamos de carro, ele já está aí mesmo. - ela estava eufórica.

Fomos o caminho em silêncio. Camila não dizia nada apenas apertava minha mão de cinco em cinco minutos. Deixei que Aaliyah fosse no banco da frente não apenas porque era mais confortável para ela, mas também porque eu não queria sair um segundo se quer do lado de minha esposa.

O caminho foi mais curto do que eu pensei que seria. Quando pensava no momento do parto sempre imaginei algo bem dramático com gritos e minutos que demoravam a passar mas o que estou vivendo, está longe de ser assim. Ou Camila é super forte ou eu tenho uma visão mais que equivocada de uma dor de parto.

- Ok, chegamos. Shawn, fique aqui com elas que eu vou pedir uma cadeira de rodas para Camila.

- Não precisa, papai, eu vou andando.

- Melhor poupar as energias querida. - ele bateu a porta de leve quase que com carinho.

- Ok, eu preciso que me digam tudo o que eu preciso saber antes de entrar lá, acho que tudo o que eu sabia acabei de esquecer.

Eu não estava fazendo graça mas Camila riu. Um riso leve mas ainda sim, um riso.

- Você precisa se lembrar de estar lá dentro comigo, de pedir para Aali filmar nosso primeiro contato com ela. - gemeu apertando mais uma vez. - E que pode ser que eu grite algumas vezes...

- Meu Deus, isso vai ser louco. - sussurrei.

- Não, isso vai ser emocionante! - Aaliyah estava mais que empolgada, pra mulher esse momento é mais fácil? Ela está super tranquila, eu estou em pânico. Ou será que isso é por que eu sou o pai e ela é apenas a Tia?

- Camila? Tudo bem? Está sentido algo que julga não ser comum? - uma voz masculina adentrou nossos ouvidos assim que a porta do lado de Camila foi aberta.

- Não, tudo dentro do que eu já esperava.

esperava... ela esperava por isso?

- Quem vai te acompanhar?

- Meu marido. - gemeu e tratei de procurar por sua mão para que ela apertasse. - Minha cunhada também.

- Senhora. - ele pareceu relutante. - Sinto muito, mas você vai poder escolher apenas um dos dois.

- Enfermeiro...

- Jhon. - ele completou.

- Isso, enfermeiro Jhon. Eu sinto em lhe informar mas, se você não der um jeito de enfiar os dois lá dentro, eu prometo que faço do seu plantão um inferno. - não sei se ela disse tudo isso com os dentes cerrados para causar medo ou porque estava sentindo dor. Me pareceu uma mistura dos dois.

- Senhor, não sou eu quem autoriza a entrada das pessoas na sala de parto.

Paixão às Cegas.Onde histórias criam vida. Descubra agora