Sobre chegadas, anjos, suéteres e sorrisos

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Ele estava ali. Vestido como sempre, com as mesmas roupas adoráveis e em tons claros de sempre. Ele carregava o céu com ele, e este teve a petulância de o perder, e ainda sim ele carregava todo o azul do céu naquele suéter estupidamente bonito em seu corpo. Eu já havia percorrido o mundo, mas nunca vi região mais bonita do que o litoral dos ombros dele. Ele era todo lindo, realmente um anjo, e sobre mim... Eu não sou nada do que ele mereça, estou longe disso, eu sou todo o mal que ele possa imaginar; e por esse motivo eu apenas continuo parado o olhando de longe. Mesmo com essa distância ele ainda sorria para mim, e eu poderia morrer e matar por este sorriso. Ele era como o céu e quando eu o toquei, quis me gabar por ter estado no paraíso sem nunca ter entrado nele.

O encontrei em uma de minhas caçadas noturnas. Quando a penumbra chegava, demônios como eu saiam atrás de almas para se alimentarem e como consequência extirpar algumas vidas. Mas ele insistia em me seguir e fazer-me perder o foco em todos os meus alvos. Com aquele jeito ridículo e esnobe de um anjo, dizia coisas estúpidas sobre perdão, divindades, orar e coisas do mundo deles. Mas eu não estava interessado, havia saído de casa para matar e diferente do que pensei... Estava recebendo sermões de um anjo mesquinho. Mas aquele anjo era tão diferente, me tratava como um cachorrinho inocente mesmo após ter confessado que meu projeto seria matá-lo se continuasse me atormentando. Eu estava tão frustrado que o dei as costas e fui embora, desistindo até da alma que seria meu jantar. Mas ele era insistente e continuou me seguindo e se intrometendo em meu trabalho, eu odiava anjos e os piores eram os intrometidos como ele.

Conclusão de tudo isso: Com o tempo fui me apegando à ele, fomos nos apegando um ao outro. Ele com todo aquele ar da graça, e eu apenas carregando comigo todo o fogo do inferno. Anjos e demônios em segredo se dão bem, isto não é algo que vão te contar, mas as vezes acontece.

Se tornou comum vê-lo durante sua estadia entre os humanos. Ele sempre chegava do mesmo jeito: Roupas claras e sorriso estampado em seu rosto; e convenhamos, eu amava suas chegadas. Por mais que eu amasse todo o caos do inferno, eu adorava ter a calmaria e visão dos céus que ele trazia e me prometia. Bastava ele para eu estar nas alturas.

O problema de fato ocorreu durante sua última visita ao pai nosso. Certas idas nem sempre teriam voltas, e algumas despedidas são definitivas antes mesmo de serem, como nosso último adeus. Me questionei como alguém como eu poderia sentir saudade de alguém como ele, mas eu tive, eu sempre senti demais por ele: Sentia muito sua falta, sentia muito amor. Ele era tudo o que eu precisava para ser feliz longe de tudo que sempre almejei: O caos. Tempos depois, ele voltou, mas não como sempre. Ele voltou com suas roupas claras — estas de sempre — e desta vez chorando. O ódio me dominou como não havia feito há muito tempo desde que o encontrei, eu apenas queria matar qualquer um que o tivesse feito desmoronar em lágrimas, pois o sorriso dele era cheio de sua personalidade e querendo ou não, eu o amava. O sorriso e ele.

Entretanto ao ser questionado o motivo de tantas lágrimas, a única coisa que descobri foi que tiveram a coragem de o expulsar daquele lugar que ele chamava de paraíso » Fui expulso. Foge comigo, por favor! « Então brevemente me passou pela cabeça o meu poder de destruição, eu arruinava as pessoas e neste ponto consegui arruinar até um anjo como ele, mesmo sendo a última coisa que eu queria. Então eu finalmente pude odiar e repudiar tudo o que era, quis ser um humano dócil e amável apenas para poder ficar com ele, sem remorsos e sem medo, apenas para ser algo mais perto do que ele mereça. Neste momento, eu que amava o que fazia até então, desejei não ser um demônio, somente para ser algo mais perto do digno para ele.

Mas ele não parecia disposto a desistir, e tornava a repetir » Foge comigo, por favor! « Era de minha vontade, largar tudo e ir com ele. Mandar à merda o céu, o inferno, o politicamente correto e até mesmo o errado. Mas por ele, eu novamente desisti, minha vontade não era maior do que meu medo de destruí-lo. Então com o coração pesado, disse » Não posso! « Ele partiu e vez ou outra voltava, onde apenas nos observamos de longe sabendo que éramos o que desejávamos, mas que estávamos longe de ser a realidade do outro. Uma dessas vezes, ele chegou como sempre, com um sorriso em seu rosto —  amo suas chegadas — ele disse que tinha a solução para a vida em suas mãos.

"Esqueça por um minuto do que és e me ame para sempre!"

Sua solução com certeza era a melhor entre todas que eu já havia escutado em centenas de anos. Então o fiz, esqueci quem era e o amei naquela noite. O abracei e beijei carinhosamente e jurei meu amor eternamente, mesmo que não para sempre. Ele apenas sorria e me dizia que eu era tudo de mais belo que já havia passado por sua vida, eu não era digno de tamanho elogio. Quando se traz o mal acaba se acostumando a não esperar nada de valioso em sua vida, mas eu o encontrei, e ele era magnífico, sua magnitude era esplêndida e parece que todo o meu propósito de vida havia sido mudado, se nasci foi apenas para que fosse possível amá-lo e deixá-lo saber disso.

Sendo quem eu era, inicialmente odiava anjos, mas me parece impossível odiar alguém como ele. Alguém que garante com suas chegadas o céu, o paraíso, sua calmaria e alguns de seus suéteres e sorrisos. Me parece impossível odiar alguém como ele. Não haviam palavras o suficiente dentro de todo meu extenso vocabulário que pudessem descrever o que sinto por ele, e infelizmente o mais próximo que encontrei havia sido: Eu te amo.

Porém meus pensamentos mudavam rapidamente, e eu me colocava novamente a pensar de que todo o inferno que eu era não merecia metade do que era ele. Ele era um conjunto inteiro, composto e trajado perfeitamente contando cada detalhe, desde sua personalidade, seu modo de amar, a sutilidade em seu toque, o gosto apaixonante de seu beijo. Até suas chegadas em suéteres multicoloridos em tons pastéis e seus sorrisos o complementavam. Deixo claro novamente que ele era como o céu, o paraíso onde descansa e eu nunca poderia tê-lo, visto que nunca mereci algo assim. Meus pecados não permitiriam com que eu tivesse algo como ele, não permitiriam que eu levasse comigo um pedaço do céu sendo tão pecaminoso. Ele era demais para alguém que era tão eu...

Deve ser algo característico dos anjos serem tão teimosos, porque o meu recusava se afastar. Parecendo não se importar com tamanha diferença entre nossas realidades, continuava dizendo que não sabia expressar o quanto me amava e logo para completar sua reflexão me dava mais de seus beijos carinhosos com gosto da vida que sempre quis ter e me foi tirada. Com toda certeza, essa era a melhor forma de demonstrar seu amor. Descobri aí um problema dos céus — ou dos anjos — quando você experimenta um pouco deles, você passa a amá-lo. Digo por experiência própria!

O sol não apareceu hoje, chove forte e venta demais; por esse motivo que te amo. Óbvio que também há o seu sorriso, a maneira como veste seus suéteres; e por este outro motivo que te amo. Consigo lembrar com clareza motivos que tenho para te amar e quando penso que não posso mais, encontro novas razões para fazê-lo; por este motivo que te amo. O mais curioso nos amores impossíveis é que as vezes acontecem, e ele é, apesar de ainda não saber, o anjo da minha vida.

Posso fazer de tudo por ele, mataria e até mesmo viveria por ele, pecaria bem mais do que já fiz se fosse necessário; e se me perguntarem eu o faria de novo. Mas ele não merece alguém tão errado assim, sua bondade não pode estar à mercê de tamanho mal, é irrefutável. O amo demais para ser egoísta com ele, por esse motivo não posso ficar junto à ele. Pois querido, anjos como você não podem voar até o inferno comigo.

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