A escuridão já havia coberto as vielas ao redor do velho forte quando finalmente decidi que deveria comer. Quando me retirei do pequeno escritório em que trabalhava, pude sentir calafrios percorrendo meus antebraços.
- Maravilha... - Cochichei, sem intenção de falar com alguém.
Só precisei de um rápido olhar para perceber que ninguém iria me escutar, já que estava sozinha naquele corredor. Abracei-me e fui em direção à cozinha.
Honestamente, estranhava toda a tecnologia que tínhamos lá. Eu trabalhava em um lugar antigo, provavelmente tombado, então todo o ar moderno que os eletrônicos o davam me fazia sentir desconfortável.
Balancei a cabeça de leve. Tinha um único objetivo naquele lugar e me faltavam desculpas para me ausentar do trabalho. Levei minha mão à porta da geladeira e inspecionei o interior.
Havia pouca comida lá, e não demorei em voltar para minha sala. Meu escritório era pequeno, mas era meu. O melhor aspecto disso era poder trabalhar em silêncio, sozinha e calma, mas esse também era o único aspecto bom do escritório, para variar.
Meu computador estava em cima da escrivaninha, com um documento aberto. Trabalhar num lugar histórico como aquele era interessante, mas tedioso.
Sentei na cadeira em frente à mesa e respirei profundamente, pronta para retomar minhas atividades. Meus olhos se voltaram para o pequeno relógio que ficava no canto inferior da tela, mostrando 00h10min.
Dei um pequeno pulo para trás, assustada, quando a luz se apagou de repente, ficando assim por alguns minutos. Assim que ela retornou, senti outro calafrio percorrer meu corpo. Mas esse não era causado pelo frio, eu sabia.
Decidi perambular pelos corredores do forte. Eu não era a única empregada naquele lugar, talvez alguém até soubesse o que tinha acontecido.
Depois que criei coragem suficiente para sair da sala, senti-me nauseada com a cena que presenciei. As descascadas paredes do forte tinham sido cobertas por um rastro único de sangue, que seguia até onde eu conseguia ver.
Virei-me quando ouviu o familiar ranger das madeiras do piso. Senti meus músculos enrijecerem quando vi a figura que lá estava, mas relaxei quando vi que era só um dos outros trabalhadores.
Um homenzinho barbudo e grosseiro, Ivan era o eletricista do prédio. Sua voz grave ecoou quando disse:
- Senhora Collins, está bem? Parece que acabou de ver a morte!
Como assim “estou bem”? Ele não conseguia enxergar a trilha de sangue pela parede?! Queria gritar, mas segurei minha língua e assenti com a cabeça.
Apesar da falta do meu grito, o ambiente foi preenchido por outro. Ivan levou as mãos à cabeça e correu para o outro lado. Fui procurar a origem do berro, quase que como atraída por ele.
Senti-me observada por alguma coisa enquanto caminhava em direção do som. Convenci-me de que era só um pouco de medo e esfreguei minha nuca.
Olhei em volta quando o corredor chegou ao fim. Exceto pela porta escancarada de um quarto escuro, não havia nada de errado lá. Avancei pela porta.
Minhas pernas fraquejaram quando cheguei à sala. Um cheiro forte de decomposição impregnava o ar, sem nenhuma origem aparente. E então, eu vi. Esquartejado e queimado, o corpo estava estatelado no meio do cômodo, só podia ver que era um homem.
Voltei a mim quando ouvi o som de algo, ou alguém, se esgueirando por lá. Minha reação natural foi esconder-me. Esguia e alta, a figura que agora atravessava o quarto não tinha nada de humano fora sua postura. Seus movimentos eram perturbadores, impossíveis de se realizar. Faltava-lhe pelos e, pelo que vi por sua silhueta desnuda, também lhe faltava um órgão reprodutor.
Senti suor escorrendo por minha testa enquanto observava aquilo se movimentando. Estava certa de que aquilo havia matado o pobre homem. Tinha vontade de rezar para todos os deuses já descritos, mas respirei calma quando vi a criatura se distrair com alguma outra coisa. Mesmo assim, a sensação de estar sendo observada continuava lá, me acompanhando.
Saí do quarto momentos depois. Olhei o corredor. Não havia sinais de nada mais lá. Caminhei como se cada passo me deixasse mais perto da própria morte. Com o sentimento de estar sendo observada ainda em minha mente, era difícil agir como se fosse algo diferente.
Voltei para dentro do meu escritório em busca de minha chave. Tinha que sair de lá, tinha de escapar. Alcancei meu molho de chaves e corri porta afora. Porém, parei não muito tempo depois. Aquela coisa estava lá dentro, e ela poderia ainda ter sede de sangue.
Atravessei o forte com cautela, mantendo em mente a saída. Quando avistei a porta de entrada, achei que iria morrer de alegria. Respirei com tranquilidade. A saída, lá estava. Iria escapar, iria conseguir.
Mas algo na minha mente me fazia querer reconsiderar a ideia. Eu me salvaria, mas a que custo? Lembrei-me de Ivan, e todos os outros que lá estavam. Se eu deixasse, eles nunca saberiam o que andava por aqueles corredores. Porém, que uso tinha? Eu não conseguiria enfrentar o monstro, nem se desejasse.
Dei uma rápida olhada para trás. Se eu abandonasse aquele velho forte, talvez, só talvez, conseguisse achar uma maneira de destruir aquilo.
Levei o molho de chaves para a fechadura, destranquei-a e sai correndo pelo jardim que adornava a fachada. Então percebi, a sensação continuava a me acompanhar.
Olhei para a viela deserta e lá vi o meu observador, de ares fúnebres, e pela última vez antes da escuridão cobrir meus sentidos senti um calafrio passar pelo meu corpo.