Capítulo XXXI - O Mesmo Som

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Soo Bong estava a ponto de perfurar a tela do tablet de desenho com a caneta.

Havia chegado ao estúdio há cerca de quarenta minutos, e trinta haviam sido gastos com o sermão que a Escritora Jang fez questão de lhe dar. Segundo a autora, todos os desenhos que ele havia enviado nos últimos dez dias — ou seja, desde que começara a trabalhar em casa — estavam “errados”. Tudo porque os olhos das personagens estavam pequenos demais — pequenos demais na visão dela, pois estavam enormes como de qualquer personagem fofo de mangá shoujo. Porém, para a Escritora Jang isso não era o bastante. Para ela, para serem considerados fofos, os olhos deviam ter o tamanho de cookies gigantes, e era o cúmulo um ilustrador profissional ainda não ter aprendido isso depois de dois anos engajado naquele projeto, no qual fofura era essencial. Soo Bong teria de consertar cada um dos desenhos ou seria dispensado.

Não que Soo Bong fizesse questão de continuar naquele trabalho. Contudo, ser o único da equipe a sair antes do episódio final e a pedido da autora, não pegaria nada bem. Por isso, estava ali fazendo aquelas descorreções desgraçadas, em vez de ir para o apartamento de Yang Soon cuidar de Ji Min. Droga, dali a quinze minutos o tempo que pedira a ele iria expirar, e ainda faltava mais da metade dos desenhos. Tudo porque a Escritora Jang alongou o sermão.

Maldita bruxa velha apaixonada por monstros olhudos! Soo Bong praguejou em pensamento, batendo a caneta na tela do tablet com toda a força da sua irritação e impaciência. Ji Min estava triste, sob o severo risco de ser puxado para o Outro Mundo a qualquer momento e só com dois filhotes de raposa por companhia. Tudo por causa das loucuras da Escritora Jang, que amava monstros olhudos!

Soo Bong era uma panela de pressão prestes a explodir.

— Monstro, monstro… — Ele resmungava, aproveitando que a Escritora Jang não estava na sala. A voz dela, cantarolando a musiquinha irritante da abertura da adaptação para desenho animado daquela diabrura horrorosa, havia desaparecido pelo corredor instantes antes. Devia ter ido buscar mais daqueles cookies ressecados… — Droga de monstro horrível…! — continuou ele, terminando o primeiro olho da personagem da cena que editava e começando a apagar o segundo para repetir o processo de expansão óptica e destruí-la de vez. — Queria ver se ela ainda ia te achar fofa se você fosse para cima dela, monstro, monstro…! Seu monstro!

A ponta da caneta bateu contra a tela, e em resposta um vulto emergiu de dentro dela, passando por cima do ombro esquerdo de Soo Bong. Um baque oco seguido de uma breve mescla de som de bug de computador com estática de rádio encheu seus ouvidos.

A personagem que editava… Ela havia sumido da tela. Só restava o plano de fundo rosa, repleto de coraçõezinhos e flores. O som parou.

Soo Bong se virou devagar, e sua alma quase saiu do corpo.

A personagem, a personagem que editava ainda agora, estava de pé a poucos passos da cadeira onde ele se sentava, de costas para ele. Só contava com um braço e metade de uma perna — igualzinho no desenho, que não era de corpo inteiro —, o que quase a fazia parecer um manequim metida dentro daquele vestidinho branco cheio de lacinhos cor de rosa. Quase. A pele era clara, humana, mas o olho meio apagado parecia uma cicatriz derretida e grotesca no rosto apático. Isso sem falar no outro olho, gigantesco, verde e brilhante, como um globo de natal fantasmagórico. Um monstro, era um monstro, um monstro de verdade e estava de pé bem ali!

Justo neste instante, a Escritora Jang assomou à boca do corredor, trazendo um pratinho recheado de cookies e uma caneca espiralando vapor nas mãos. De tantas horas que ela poderia ter escolhido para retornar à sala, ela tinha que escolher logo aquela?

A Escritora Jang avistou a personagem, que se virou na direção dela como se sentisse o olhar arregalado de susto sobre sua figura inacabada e começou a saltitar sobre o coto, indo até ela. A mulher deixou o prato e a caneca caírem e gritou, um grito daqueles, e caiu durinha na hora. Soo Bong não conseguiu fazer nada, além de assistir à cena, petrificado.

Outlander || YoonjikookOnde histórias criam vida. Descubra agora