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Morando em uma fazenda aprendemos algumas coisas, muitas além das quais somos ensinados, alguns exemplos do que Elizabeth aprendeu depois que ficou sozinha na fazenda dos avós seriam: lembrar-se sempre de manter abastecida a despensa de madeira para acender o fogo, nunca se sabe quando a chuva resolve desaguar; nunca deixar as porteiras abertas, algum animal pode tentar sair, ou entrar; livros podem ser sua maior companhia no silêncio; carregue sempre os primeiros socorros, você nunca sabe quando vai precisar ajudar alguém; e por último mas não menos importante não deixe o medo te dominar, nunca, você vai acabar perdendo o melhor da vida por ele.

Faz pouco mais de um ano que ela vive nesse lugar, no começo cada pequeno barulho a deixava assustada mas com o tempo se acostumou. O lugar em que vive é tão silencioso, cercado de uma floresta verde e fechada, intocada pelo homem, afastado do que chamam de civilização, tão calmo, que quando escutou o barulho de cascos batendo no chão ao longe e um guincho estranho de dor seu coração disparou, uma sensação estranha se apossou de si, mas não pensou duas vezes antes de pegar a inseparável bolsa de primeiros socorros uma lanterna e as botas, correu para fora no escuro em direção ao barulho de algo se debatendo, a luz da lua contribuía bastante para que visse seu caminho.

Ainda a alguns passos conseguiu avistar parcialmente um cavalo preso ao arame, sua pata parecia estar enrolada de forma estranha, se naquele exato momento Elizabeth tivesse parado para pensar ao invés de agir por impulso talvez sua vida não tivesse se bagunçado tanto.

Era só ter se lembrado de que não havia cavalo algum na propriedade e nem nas mais próximas, aquele animal não deveria estar ali, nem Lizz, ambos estavam no lugar errado, na hora certa, ou talvez se ela tivesse se atentado ao fato de que ele estava preso pelo lado de fora da cerca, isso poderia ter salvo seu coração de relembrar o que significa "medo", algo que acabou se esquecendo depois de tanto tempo vivendo uma vida monótona.

Mas não, ela o ajudou sem pensar, sempre assim, não consegue negar auxílio aos animais, eles não tem defesa contra as maldades dos homens, e no caso o pobre animal estava preso na cerca da propriedade dela, por isso, não deixava de se sentir culpada. No momento não conseguiu evitar lembrar do avô, o velho homem sempre sabia o que fazer em qualquer situação, mas nem ele se livraria do que aconteceu a neta.

Com todo cuidado a garota desenrolou o arame farpado do tornozelo do animal que estava incrivelmente calmo, na verdade, calmo demais para um cavalo com o tornozelo sangrando, fazia silêncio e não se debatia, diria que estava morto se não estivesse escutando a respiração acelerada. Ela procurou na bolsa algo para passar sobre o machucado que não era tão fundo mas com certeza iria infeccionar sem remédio, seu avô sempre dizia para cuidar dos animais como se fossem parte da sua família, e Lizz sempre o achou tão sábio, cuidava dos animais e era visível a gratidão que sentiam por ele, sempre obedeciam os comandos como se fossem treinados, mas sabia ela que era tudo por conta da confiança, eles confiavam nele e ele confiava nos animais.

Mexendo na bolsa que continha tantos remédios ela acabou achando um spray antibacteriano, seria perfeito, passou com cuidado e enfaixou o tornozelo do que pensava ser um cavalo que permaneceu quieto, deixou um carinho sobre o machucado e procurou olhar para a feição do animal para ver se este estava sentindo muita dor e precisaria de algum remédio ou se tivesse algum outro machucado, na luz do luar pôde perceber que ali não havia uma cabeça de cavalo mas algo estranho, parecia um corpo humano, seu primeiro pensamento foi que alguém estivesse montado no cavalo e caiu quando o animal se enroscou na cerca mas nesse caso a pessoa teria dito pelo menos alguma palavra quando a viu cuidando de seu animal, talvez tivesse pedido ajuda para sair debaixo do corpo imóvel do quadrúpede, ou dito que precisava de socorros ou algo assim, mas não, ele permaneceu quieto.

O olhar atento de Lizz o observou em silêncio na pouca luminosidade do luar, o ser ali parecia ter os cabelos enrolados, não era possível visualizar nenhum tipo de roupa cobrindo seu torso, de seu rosto era visível apenas os lábios que estavam entreabertos. Lembrou-se enfim que havia levado uma lanterna consigo, esta que estava esquecida sobre a grama desde que sua dona se abaixou para olhar o ferimento do animal, mas antes que pudesse pegar sua fonte de luz ela sentiu o tornozelo que ainda estava em suas mãos ser puxado com força, o animal se levantou tão rapidamente que ao tentar se levantar também a garota caiu sentada na grama. As nuvens que tampavam a luz do luar se moveram pois a claridade pareceu ficar mais forte a ponto de que Elizabeth conseguiu ver claramente o que estava a sua frente, dos cascos até o pescoço possuía o corpo de um equino, mas da onde deveria ser o pescoço do animal se elevava um torso humano, talvez por estar no chão, mas ele parecia tão grande e assustador aos olhos dela que seus músculos se contrairam de forma dolorosa.

Repentinamente aquela visão saiu galopando rapidamente em direção a floresta, como se nem mesmo estivesse ferido, a garota ficou mais um tempo no chão, sentia seus músculos tensos ficarem molengas e sem força nenhuma para levanta-la, sua respiração estava descompassada, colocou a mão sobre o peito sentindo o coração batendo tão forte que imaginou que teria um infarto ali mesmo. Quando conseguiu voltar parcialmente aos seus sentidos recolheu as coisas que haviam caído da bolsa de primeiros socorros, alcançou a lanterna que ainda estava na grama e andou meio cambaleante até a casa, suas pernas estavam bambas.

Assim que entrou fez questão de passar a chave na porta a trancando, repentinamente seus músculos falharam e ela foi ao chão, tentou controlar a respiração e aquietar o coração que sem dúvidas estava gritando para ela a plenos pulmões como era uma idiota e poderia ter morrido. Ao olhar em volta no escuro, tudo estava calmo novamente, como sempre, como se nada tivesse acontecido, e nessa calmaria ela adormeceu sem mesmo perceber.

Quando acordou com o raiar do sol em seus olhos voltou sua atenção ao seu redor, percebeu que as botas que costumeiramente ficavam perto da porta de saída não estavam lá, uma das tais estava jogada perto da cama e a outra estava desaparecida, se levantou pra procurar a outra bota e começar sua rotina ignorando o que aconteceu na noite anterior, talvez seu cérebro a tivesse convencido de que foi tudo um sonho ou seria loucura de sua parte, talvez a falta de contato com a sociedade tinha finalmente afetado sua mente.

Após o café da manhã, procurou por toda a casa sua bota esquerda, mas não a encontrou, decidida a achá-la abriu a porta da frente e se deparou com algo no gramado, algo como um pedaço de madeira curvado como um arco, havia amarrado nele um fio, ao lado deste havia uma flecha, sem sombra de dúvida era isso, a ponta feita na própria madeira da haste, pegou o segundo objeto o trazendo para mais perto do rosto, teve a impressão de ver algo escrito na madeira.

— Aslan? — a caligrafia era desleixada, como se fosse a primeira vez que a pessoa escrevia seu nome, imaginando ser algo que algum índio perdeu ela deixou ali e se pôs a procurar a bota no quintal, mas não a achou, não conseguia pensar onde o outro pé poderia ter ido parar, a não ser que seu sonho na noite anterior tivesse sido real.

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