Capítulo 1

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O Sol brilhava alto no Céu, avisando todos na Terra e no Paraíso que era o início de um novo dia. Um jovem anjo, Lúcifer, estendeu as asas lentamente enquanto abria os olhos castanhos sonolentos. Levantou-se da sua nuvem-cama, atou o cabelo cor de carvão na base da nuca e arranjou a toga que vestia em volta do seu corpo magro. À sua volta, outros anjos voavam para os seus postos. Lúcifer abriu as suas asas de penas brancas e levantou vôo. Abrindo os braços, deixou-se cair e lançou um brado de triunfo. Debaixo dele a Terra aproximava-se rapidamente. Vastas florestas verdejantes e rios de água límpida estendiam-se por quilómetros infindáveis num planeta virgem.

Lúcifer bateu as asas e parou bruscamente de cair. Aterrou levemente no solo macio de uma clareira e inspirou fundo. A poucos passos um grupo de crianças brincava despreocupadamente. O anjo aproximou-se e rodeou os meninos com os braços, porque os humanos não podem ver as criaturas divinas, e proferiu uma prece que os protegesse de qualquer mal. Duas jovens mulheres aproximaram-se das crianças e pegaram-nas ao colo. Vestiam indumentárias simples e humildes, mas as crianças de quem tomavam conta vestiam tecidos finos e caros. Lúcifer afastou-se do grupo e sentou-se encostado a uma árvore a pouca distância deles. Brincava distraído com uma flor branca quando, vindo do nada, um rapazito correu para ele e o abraçou-o, admirando as suas asas. Lúcifer estacou, espantado, e afastou de si o rapaz.

-Como te chamas? - perguntou.

-Moisés. - respondeu o menino na sua voz doce e cristalina.

Lúcifer sorriu. Colocando as mãos nos ombros da criança, disse:

-Moisés, um dia vais ser grande. Lembra-te sempre de Deus nosso Senhor.

Moisés acenou afirmativamente e correu para a ama que o chamava.

Lúcifer era apaixonado pela Terra e pelos humanos. Fascinavam-no na sua capacidade de escolher entre o bem e o mal, na sua liberdade de serem e fazerem o que quiserem.

O anjo sorriu e fecho os olhos. Inspirando fundo, mergulhou na paz que o rodeava. As criaturas da floresta aproximavam-se dele e deitavam-se a seu lado. Lúcifer acariciou a cabeça de um lobo, um animal feroz, que descansava a seu lado. O animal roncava descontraídamente enquanto o anjo lhe afagava o pêlo cinzento prateado.

A sua paz foi interrompida quando sentiu outra aura divina a aproximar-se. Abrindo os olhos, Lúcifer vium rapaz de longos caracóis cor de avelâ e olhos como duas esmeraldas, envolto numa toga de um branco imaculado. Sentou-se encostado a uma árvore em frente a Lúcifer e sorriu.

-Uriel. - saudou o anjo de cabelo negro.

-Lúcifer. Miguel contou-me que o Pai quer tornar-te um Arcanjo.

Lúcifer tremeu com esta afirmação.

-Eu sei que não gostas mas...

-Eu nunca disse que não gosto...

-Lúcifer, não me mintas. Eu sei que nunca quiseste um lugar mais alto. Sei que preferes ficar aqui, na Terra, a proteger as crianças e a brincar com os animais, mas não podes negar o que o pai quer...

-Sim, já me disseram tudo isso. É só que... - Lúcifer suspirou de alívio quando vozes femininas se aproximaram e a sua atenção foi desviada para elas. Uriel desistiu e também se voltou para a origem das vozes. Três raparigas apareceram por entre o arvoredo. A primeira tinha longos cabelos ruivos entrançados com fios de ouro e um corpo roliço coberto por um vestido branco debroado a ouro que arrastava no chão atrás dela. As outras duas traziam vestes bastante mais simples, togas brancas cintadas por cordões, que lhes chegavam um pouco abaixo ds joelhos. Uma usava o cabelo castanho atado com ganchos prateados, enquanto a outra estava constantemente a desviar dos olhos os caracóis louros.

Lúcifer e Uriel observavam-nas em silêncio, enquanto entrançavam flores nos cabelos mas das outras e riam muito. Uriel sorria, admirando as suas almas inocentes e despreocupadas. Lúcifer também sorria, mas o seu olhar prendia-se na dama de cabelo loiro. Seguia cada pestanejar, cada movimento das suas pernas altas e dos seus caracóis que lhe caíam sobre os seios redondos. Na sua mente criavam-se pensamentos que nunca havia tido, coisas que sempre achara erradas mas que nesses instante pareciam certas. Perturbado, Lúcifer caiu de joelhos, com sangue a escorrer-lhe das asas e pelas costas. Uriel correu para ele.

-O que se passa? O que tens? - perguntou, preocupado.

Lúcifer sentou-se contra uma árvore a respirar com dificuldade.

-O que se passou? - Uriel perguntava, emanando o máximo de energia positiva para acalmar Lúcifer.

Quando este voltou a respirar normalmente, o Arcanjo sentou-se à sua frente, segurando-lhe as mãos.

-O que foi aquilo? - perguntou, passado algum tempo.

Lúcifer debatia-se consigo mesmo:

"Devo ser honesto com Uriel, não devo mentir..." pensava "... mas... ele é um arcanjo, o que vai ele pensar? Não lhe posso mentir, mas também não posso arriscar sofrer as consequências de os outros saberem... de o Pai saber... e... meia verdade não é uma mentira... pois não?..."

Lúcifer decidiu:

-Comecei a sentir-me tonto... a ver coisas... fiquei perturbado.

Uriel ficou pensativo, mas nào duvidava da palavra do anjo (os anjos têm a capacidade de olhar para um ser humano e "ver" os seus pensamentos e a sua história. Uriel não costumava reparar em tais coisas, logo não sabia o que Lúcifer vira).

-Bem, agora está tudo bem, certo?

O anjo acenou afirmativamente com a cabeça e levantou-se.

-Acho que vou ver o que se passa na cidade - disse. - Queres vir?

Uriel exitou:

-Acho que vou passar - disse por fim.

"Claro" pensou Lúcifer. Curvou-se frente ao arcanjo e levantou vôo.

Enquanto voava em direção à cidade mais próxima, meditava sobre o que acontecera:

"Tive sentimentos errados por uma humana e menti a Uriel. O que é que vou fazer a seguir?"

O Primeiro Anjo CaídoOnde histórias criam vida. Descubra agora