Ana
Meus dedos puxando as cordas levemente, a pressão dos acordes na mão esquerda, nada me acalma mais que tocar antes de uma viagem.
Confesso que voar sempre foi algo desconfortável. Veja bem, sou Terra, sou virginiana, e ainda assim, em tempos de turnê sou obrigada a voar e a rotina de voos é pesada. Chiara vai comigo, pelo menos não estarei sozinha. A companhia da Italiana passou a ser muito apreciada por mim, pois onde ela chega, ela movimenta, me bagunça por dentro com seus papos aleatórios e espertos e é realmente linda. Ela conquistou um espaço em tudo no Brasil com seu carisma e aqui em casa não poderia ter sido diferente, minha mãe adora a Italiana. Eu adoro a Italiana. Me pego tocando a música que fizemos, cantarolo minha parte pensando nela, no cabelo dela com tons acobreados, nos seus olhos verdes tropicais, no seu sorriso grande e contagiante, impossível não sentir nada. E em quando a gente canta como nossas essências se misturam, em como nós dançamos no fim de semana pela sala...Flash back
Uma Bossa nova baixinha toca enquanto assistimos o sol se pôr.
A mulher ao meu lado não poderia estar mais linda. Nós trabalhávamos sem parar, viramos madrugadas na nova música e Chiara andava até dormindo por aqui, já que eu não queria que ela voltasse pra casa do Dani de madrugada.
A conversa flui entre nós duas e tudo é extremamente natural, sinto as vezes meu estômago um pouco agitado perto dela, até cheguei a me perguntar o que é isso que tem mexido comigo. Não se parece com nada que já senti antes, mas acredito que seja apenas uma conexão muito forte e o início de uma amizade maravilhosa.
- Chi, já que aceitou meu pedido da viagem, vou arriscar mais um... - Digo sorrindo como que não quer nada.
Ela me olha de lado apoiada no parapeito da varanda e toma um gole do vinho:
- Não sei se aceito, Che cos'é?
- Só vou dizer se você aceitar primeiro, ué!
- Ma como posso aceitar sem saber?! - Chiara cai na risada
- Você não confia em mim? - insisto fazendo bico.
Chiara ri mais alto, não consigo evitar e sorrio, suspirando.
- You're so lucky that I'm curious - Ela responde revirando os olhos com bom humor - Ok, ok, eu aceito.
Tomo suas mãos nas minhas e me aproximo. Abraço seu corpo e posiciono suas mãos em meus ombros. Ela me olha desconfiada, porém se deixa ser puxada com leveza. Seu olhar brilha em tons alaranjados conforme os reflexos do entardecer e seus cabelos parecem quentes de tão claros. Fico hipnotizada olhando, dando passos no ritmo automático da música. Ela se move gentilmente acompanhando meu movimento e se encaixa mais em meu abraço, estreitando os braços em meu pescoço. Meu coração palpita forte, espero que ela não sinta ele batendo contra meu peito. Respiro seu perfume e que grande erro. Agora algo semelhante a um nó na garganta se forma, acho que meu coração está tentado sair pela boca. Sinto necessidade de saber todas as coisas que não sei sobre ela, como se fossemos amigas há muitos anos e eu tivesse tido uma perda de memória recente.
- Chiara, qual a sua flor favorita?
- Você é cheia de perguntas né? Mmm... acho que rosas.
- Qual sua cor favorita?
- Rosso. Amo molto.
- Quando é o seu aniversário?
- 15 de junho - Ela responde se afastando do meu pescoço para me olhar.
- Caralho, é dia 15 agora?? E eu tô te sequestrado pra São Paulo?! Desculpa Chiara, eu não sabia! Você sabe que pode ficar aqui no Rio se preferir, com o Dani se divertindo, eu não quero te atrapalhar. Que inconveniente eu fui, mil perdões... - desparei a falar.
Ela põe a mão no meu rosto, como quem deseja acalmar uma criança e diz sorrindo:
- Ana, calma. Tá tudo bem, io amo cantar, esse convite que você me fez é o presente mais incrível que alguém poderia me oferecer. Não ha nada que me faria mais feliz.
Eu sorrio. Prometo a mim mesma fazer desse aniversário inesquecível. Abraço ela forte e volto a me apoiar na varanda.
Ela me pergunta olhando a piscina:
- Quando você vai me chamar pra nadar?
- Você quer nadar? Só se for agora!
Rapidamente a levanto sobre meu ombro e corro em direção a piscina ouvindo seus gritinhos em meio a gargalhadas:
- Non, Ana, non!
Pulo com ela a tira colo e logo estamos encharcadas de roupa e tudo, gargalhando
- Você é doida! - Ela exclama olhando suas próprias roupas coladas no corpo. (E QUE corpo, devo acrescentar)
- Mas você gosta, né? - Digo sem pensar
A Italiana fica um pouco vermelha e desvia o olhar sem graça. O clima fica um pouco constrangedor. Jogo água em seu rosto e ela devolve o gesto, rindo novamente. Nadamos por um tempo, comemos um lanche e depois entramos, cada uma foi pro seu respectivo quarto tomar um banho e se ajeitar pra dormir.
Assim que estou acabando de vestir minha camiseta larga escuto batidas tímidas na porta.
- Oi Chi, tá tudo bem?
- Tá sim, mas io perdi o sono... pensei se poderia ficar aqui conversando... - Ela diz enquanto tenta ler minha expressão facial. Confesso que fiquei um pouco (bastante) abalada pela visão daquela mulher em minha frente; vestida com uma camisola de seda e um roupão por cima, fiquei levemente (muito) atordoada pelas suas curvas, aliás, sofri um acidente naquelas curvas, (o que que isso!) e demorei um pouco a responder, o que fez com que a italiana levasse a unha à boca de nervoso. Ela diz:
- S-scusa, io non devia ter vindo te incomodar - Ela já vai virando pra voltar e eu falo (até um pouco alto demais):
- Não, Chi! Imagina, vem cá! - Já pegando em seu pulso e a puxando pra dentro - Claro que você pode ficar aqui no quarto, eu só fiquei meio sem reação por que eu tô com a cabeça na música! Desculpa! Senta aqui na cama... Aqui uma manta, caso você sinta frio nas pernas e você aceita beber alguma coisa?
- Depende, você vai beber con me?
- Pode ser sim. Um vinho?
Ela balança positivamente a cabeça. Eu continuo a falar enquanto abro o vinho tinto e sirvo duas taças:
- Até que esfriou hoje, né?
Chiara parece encarar minhas pernas antes de responder:
- devvero. Io non imaginava que o Brasil fizesse frio, apesar de conhecer frios muito mais rigorosos- Ela pega a taça que ofereço- Grazie. Seu quarto é lindo.
Reparo em seus lábios tocando a taça, seu contato visual me enfeitiçando... Percebo que ela fica sem graça, eu provavelmente tava babando. Era só o que me faltava.
- Gostou? Bom, eu que decorei, queria algo aconchegante, mas clean. Muita informação as vezes me cansa.
Ela deixa a taça na mesinha de vidro e vai andando em direção a cama, quando menciona subir me olha pedindo permissão, eu apenas gesticulo o braço como quem diz "fique a vontade". Ela tira os chinelos e fica em pé de frente ao quadro na cabeceira. Tomba a cabeça levemente para o lado, não consigo evitar descer meu olhar por suas pernas, mordo meu lábio discretamente. Ela diz sentando novamente na cama:
- Essa pintura é molto bela, gosto como as cores conversam
Eu sorrio tímida, ela não sabia quem tinha pintado...
- Obrigada, eu curto pintar as vezes.
Ela olha de canto meu cinzeiro na mesinha e procura algo nos bolsos do seu próprio hobbie, até ouvir minha confissão e me olhar com os olhos arregalados:
- No?! Você que fez? Uau, non sabia desse seu lado... Você é... indiscutivelmente... encantadora.
Meu rosto esquenta mais. Como ela me afeta assim? Ela percebe e sorri.
- Posso fumar ali? - Ela aponta a varanda.
- Claro, posso fumar com você? - sorrio
- sí, afinal preciso recompensar sua generosidade de me receber... - Ela respondeu, acendendo o cigarro.
Dando um trago generoso ela me fita e lentamente solta a fumaça. Seus olhos me parecem mais verdes, mais inebriantes...
- Onde começou a fumar, Chi?
Seu olhar se perde ao longe nas luzes do rio enquanto responde:
- Voce sabe como é, menina jovem, na Europa, quase sempre evitando voltar pra casa por estar tentando sair do convívio familiar... E eu tinha uma amiga, Laura... Ela era alguém que me despertava algo que não entendia na época, admiração? Fato era que eu queria ser como ela, cioè... eu queria estar com ela, eu queria beijar ela, mas naquela época, en la Itália non se falava en bissexuality, e io non entendia molto bene che cosa mexia conme. - Ela interrompe o raciocínio para tomar mais de sua taça. - Quindi, uma noite io e ela fugimos de nossas casas e nos encontramos en la fontana di trevi... estava bastante escuro. Ela tinha roubado un cigarro da gaveta de seu pai... Nos sentíamos no topo do mundo, desafiadoras da lei. Laura acendeu, levou aquilo aos lábios e... -Chiara repete os gestos que narra; leva o cigarro aos lábios, traga lentamente e se aproxima de mim, me empurrando levemente contra o parapeito, encostando seu corpo todo no meu, acariciando levemente a ponta dos dedos no meu maxilar buscando meu rosto pra mais perto do seu
- e ela fez eso...
Em slowmotion a Italiana toca muito levemente seus lábios nos meus, apenas o suficiente para que a fumaça que estava em sua boca viajasse para a minha. Eu fico imóvel, aposto que meus olhos estavam arregalados, apesar de tratar de inspirar toda a nicotina que ela me oferecia. Tive vontade tomar seus lábios ali. Porém fiquei petrificada. Fui pega de surpresa. As substâncias subiram muito mais que velozes pra minha cabeça e senti minha pressão cair um pouco. Por reflexo apoiei minha mão na mão dela.
Ela gargalhou baixinho, se afastou e disse:
- Foi assim che comecei a fumar, numa brincadeira de adolescente...
Eu devolvo a gargalhada um pouco sem graça, ela deve tá me achando ridícula com cara de susto. Para não deixar um silêncio constrangedor se instalar, comento:
- E você conseguiu finalmente beijar essa Laura?
Chiara sorri.
- Non, ela me via como sua aprendiz, ela gostava da atenção que io dava, não era apaixonada por mim, só gostava de me provocar. Quando ficamos mais velhas a beijei numa brincadeira de girar a garrafa, devo dizer que foi ótimo para que eu finalmente entendesse meus sentimentos por mulheres, porém foi só, io tamben perdi o interesse depois do beijo.
Ela bebe o resto do vinho e estende o copo para mim - vamos pegar mais?Flash back off
A mãe de Ana observa curiosamente a filha com o violão no colo parada, com o olhar perdido e uma mão delicadamente repousada na boca enquanto outra enrolava uma mecha de cabelo.
- Tá pensando no beijo de quem, ein, Ana Carolina?
Dona Fofó gargalha ao constatar que a filha da um pulo assustado e faz uma cara de ofendida:- QUE ISSO MAE, a senhora tá parecendo fantasma! Que beijo o que! A senhora me respeita, ein?! Tava era pensando em como vou fazer pra pegar a Chiara... er.. quer dizer... buscar ela... pra viagem. Você sabe, pro show..
Quanto mais Ana se enrolava em sua explicação mais a mãe ria
- Então é a italiana? Eu gosto pra caralho daquela menina! - Fofó responde piscando brincalhona para a filha que já guardava o violão e saía apressada da sala:
- A senhora me dá licença que eu tenho mais o que fazer.
- Olhaa! Vem aqui da um abraço na sua véia.
Ana dá a meia volta apenas pra deixar um beijinho um tanto rápido na testa de sua mãe e balbuciar:
- Mas a senhora é foda, ein!
VOCÊ ESTÁ LENDO
One shots Chiana
Roman d'amourOlá, pessoal! Vou escrever aqui umas histórias do nosso casal querido Chiana. Cada capítulo será uma história com início, meio e fim. Espero que gostem de ler tanto quanto eu estou curtindo escrever. ❤