Quando abro os olhos, pela primeira vez espero ver a claridade fria vindo da minha janela. Espero que tudo isso — a Ponte de Archeon, a traição de Maven — tenha sido apenas um pesadelo. Ou até mesmo uma brincadeira de Elara para me alertar durante os meus sonhos. No entanto, quando minhas pupilas se ajeitam sob a escuridão gélida e encaro um teto baixo e encardido, sei que tudo isso é real. Desde o início. Antes mesmo de eu me chamar Raven Calore, Elara e Maven já planejavam esse golpe. Minha presença só facilitou o trabalho deles.
Suspiro, o ar pesado do subsolo ferindo meus pulmões. Relaxo o corpo sobre as possíveis barras de cela atrás de mim, derrotada. Vencida. Eu achava que iria conseguir. Achava que conseguiria escapar, como sempre fiz... Nunca estive tão enganada.
O Ossário. Por que ficar de frente com este lugar não me serviu de aviso?
Meus pelos se enriçam em alerta quando ouço uma risada cheia de escárnio ecoar pelas paredes ocas. Penso que é Maven vindo me incomodar, mas a sombra que vejo perto de mim é grande demais para ser aquele moleque. E está dentro de uma das celas, outro motivo para não se tratar do novo rei.
— Eu tinha apenas quatro anos na primeira vez que estive aqui, e Maven mal tinha feito dois. Ele se escondeu atrás das saias da mãe, com medo do escuro e das celas vazias — comenta Cal, e o sorriso dele me assusta. — Acho que ele perdeu o medo do escuro.
Deito a cabeça nas barras, assentindo.
— Com certeza.
A sombra da chama. Lembro-me das palavras de Maven para amolecer meu coração justamente naquele dia, sob a chuva, quando eu estava mais vulnerável. A guarda baixada. O fogo quase se apagando. Eu deveria ter suspeitado assim que minhas emoções se acalmaram logo depois. Porém, eu já tinha cedido às suas palavras, mesmo sem perceber. Fiquei cega. E permiti ele me manipular para conseguir o que queria: minha atenção. Meus sentimentos. Tudo o que me torna a criatura mais fraca e patética desse mundo.
Com raiva, busco meu poder. Uma fagulha escondida lá no fundo. Um pouco de calor que me permita reduzir todo este lugar decrépito à cinzas e metal derretido. Mas não consigo. O que me vem é a mesma sensação de vazio e impotência de quando fui levada da Praça de César até a sala onde Tiberias foi morto.
— Arven não está por perto — digo, seca. — Por que não consigo usar meu poder aqui embaixo?
— São as celas — Cal responde de maneira desinteressada, ocupado demais com os seus desenhinhos idiotas no pó. — São feitas de Pedra Silenciosa. Não me peça para explicar, porque não entendo como funciona e não estou com vontade de tentar entender.
Não brigo com ele por isso, pois nem eu estou com ânimo para discutir agora. Apenas deito a cabeça nas barras novamente, esperando o príncipe preencher o silêncio por mim.
— Antes dos combates na arena, quando ainda executávamos prateados, o Ossário abrigava todo tipo de pesadelo. O Grande Greco, que costumava abrir homens ao meio para comer seu fígado. A Noiva Venenosa, uma animos da Casa Viper que atraiu cobras para cama do meu tio-bisavô na noite de núpcias dos dois. Dizem que o sangue dele virou veneno depois de tantas picadas — Cal lista cada um deles como se estivesse me contando uma história de terror. Não estremeço. Um estranho alívio por saber que todos eles estão mortos. — Agora nós. O Príncipe Traidor é como me chamarão: "Ele matou o pai pela coroa. Não conseguiu esperar".
Não sei porquê, mas rio com essa perspectiva. A mesma risada de Cal, só que mais baixa e mais sombria.
— Até imagino como irão me chamar daqui para frente — digo entre risos, a mente viajando longe. — "A Vadia Usurpadora" ou "A Aberração Vermelha": aquela que não seduziu um, mas os dois príncipes de Norta para fazerem o que ela quisesse. Quem dera fosse verdade. Assim, eu já teria fugido há muito tempo e não estaria mofando neste lugar.
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A Mais Forte (What If...?/AU) [CONCLUÍDO]
FanfictionE se a vermelha que caísse na arena da Prova Real não fosse Mare Barrow, mas sim uma outra sanguenova tão forte e poderosa quanto? Uma garota com poderes de ardente que é capaz de criar as suas próprias chamas? Essa é a história de Ravenna Sylvester...