O ar tinha um cheiro forte de tabaco. Eliza atravessou o vão da porta, vislumbrando feixes iluminados da pele de seu namorado. Kalel estava sentado no peitoril da janela e, mesmo que seus olhos não a alcançassem, reconheceu-a no momento em que ela pisou os pés no cômodo. A sensação de reconhecimento fazia com que certa medida de calor envolvesse o peito de Eliza e deixava sempre um sorriso a espreita em seu rosto.
Os passos até ele foram silenciosos. Envolvendo-o por trás, beijou-lhe a têmpora úmida pelo treino. A vibração do sorriso dele fez-lhe cócegas nos lábios volumosos.
— Babe...
A voz rouca agitou algo dentro dela e o sorriso escapou dos lábios antes que pudesse pensar em contê-lo.
— Kal... — murmurou, sentindo-o segurar sua mão e beijá-la algumas vezes, recostando a bochecha na palma em seguida. — Já decidiu o que vamos fazer? — sussurrou, mordiscando o lábio inferior.
Kalel grunhiu e seus músculos tensionaram, fazendo com que ele se afastasse e com que uma pontada de arrependimento surgisse em Eliza apenas por um momento. Ele se manteve em silêncio e visivelmente nervoso por algum tempo. Ainda assim, a garota deslizou as mãos por seus ombros, tentando ajudá-lo a relaxar. Aos poucos, sua postura defensiva foi se desfazendo.
— Eu não sei, Liz.
— Tudo bem não saber — murmurou, posicionando-se ao lado dele e tocando em seu rosto para fazê-lo olhar em seus olhos. — Estarei aqui, independente do que decida e do que aconteça.
Kalel deu um sorriso largo enquanto fechava os olhos, apreciando o toque. Sabia que ela estaria, e a amava por isso. Por aceitá-lo, por escolhê-lo, por ser sua Liz, sua luz. E ele não deixaria que nada apagasse sua luz.
Kalel a puxou para si, envolvendo-a pela cintura. Observando-a iluminada pela pouca luz que chegava através da janela, perguntou-se como alguém como ela tinha escolhido alguém como ele. Desde que Eliza decidira ficar ao lado dele as coisas pareciam nitidamente mais claras. Nenhum problema parecia difícil demais, exceto o que tinham em mãos agora.
Trabalhou com acerto de contas durante alguns anos. Não era totalmente ruim. Na maioria das vezes, as vítimas eram mais repulsivas que os mandantes. Inicialmente, fazia trabalhos aqui e ali até começar a trabalhar integralmente para um dos membros da alta sociedade, infiltrando-se como subordinado para ganhar sua confiança e ter a oportunidade de matá-lo conforme tinha sido instruído a fazer. Ao contrário da imagem de bom moço que o Sr. Mazzini tinha, tudo que lhe interessava era o lucro, não importando os meios usados. Kalel, por outro lado, era apenas um assassino, um vilão aos olhos dos que sabiam o que ele fazia, mesmo que ainda tivesse alguns princípios e não saísse matando qualquer um. O trabalho era fácil e tinha suas vantagens, então não pensou muito antes de aceitá-lo. Finalmente, sua vida parecia estável dentro do possível. Até conhecê-la.
Conheceram-se em uma das visitas à mansão a pedido do pai dela. Logo na primeira vez, algo ficara ali, cravado em seu peito, perturbando-o até tomar alguma atitude. E ele tomou, caçando-a pela enorme mansão naquela mesma tarde. Aos poucos, aproximaram-se, encontrando-se escondidos sempre que podiam ao passo que frequentava cada vez mais a casa. Era fácil estar com ela e quase uma necessidade tê-la por perto. O problema era que estava ali para matar o pai dela e doía pensar em perdê-la por isso ou por qualquer outra coisa. Então, o objetivo final de tudo foi sendo deixado de lado, mesmo que fosse constantemente pressionado para cumpri-lo. Enquanto pudesse manter a sensação de estar no paraíso que estar com ela lhe causava, tudo ficaria bem, ou era nisso que queria acreditar até que o amor também se tornou sua zona de guerra.
Passados alguns meses desde que trabalhava para o Sr. Mazzini, espalhou-se entre os empregados a notícia de que logo Eliza se casaria. Não podia se concentrar em mais nada depois disso, principalmente depois de tirar a história a limpo. Aparentemente, era apenas uma questão de conseguir mais poder com a união de duas grandes e antigas famílias e o pior de tudo era que a noiva não parecia ter a mínima ideia do título que carregava.
Parecendo insensato até para si mesmo, decidiu que fugiria levando Eliza consigo. Ela não foi contra, alimentando a insensatez da ideia até mesmo quando ele lhe contou tudo sobre seu passado, seus crimes e o motivo pelo qual estava ali. Eliza o escolheu sem hesitar nem por um segundo. Afinal, conhecia o pai bem o suficiente para saber que só poderia ocupar algum espaço na vida dele se fosse uma fonte de lucro. Fugiram juntos para uma cidade do interior e tocaram a vida da melhor forma que puderam durante alguns meses. Kalel deixando para trás a vida no crime e a dívida de um pagamento por uma morte que nunca aconteceu e Eliza sua família e herança.
Mas agora, estavam atrás deles. Kalel tinha certeza disso. O pai dela ou os criminosos a quem ele devia ou talvez ambos estavam tentando recuperar o que haviam perdido e eles precisavam tomar uma decisão.
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Zona de Guerra
NouvellesKalel e Eliza sentiram borboletas no estômago desde a primeira vez em que se encontraram e foi preciso pouco tempo para se tornarem a única luz na vida obscura um do outro. Vivendo como peças distintas de um mesmo jogo criminoso, ele, um assassino...