PAISAGEM MORTA

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     O estranho silêncio do terraço daquele arranha-céu antecedeu o grito abafado que mais foi mental do que físico. Embora a sensação era de que houvesse um rompimento brusco da serenidade daquela altitude, um urubu pousado no parapeito permaneceu concentrado na busca por uma presa.

     Não somente a ave, mas a cidade abaixo ignorava o ocorrido. O cenário, de formato retangular, cinza - aos poucos tingido por um tímido vermelho - abria-se à apreciação somente para cima, altitude cada vez mais neblinada.

     Ainda que houvesse a possibilidade de um expectador pairar sobre a cena, dificilmente observaria o olhar que findava aos poucos. Um arregalado agudo em princípio, que dizia mais do que qualquer palavra, fechando-se vagarosamente e firmando - quem poderia ter certeza - na arte em vermelho em contraste com o concreto.

     A sensualidade dos lábios ligeiramente afastados poderia oferecer uma apreciação alternativa à cena, não fosse o reluzir intenso que tornava a aparecer da carne de onde se escondera.

     Uma brisa ligeiramente mais forte trouxe com ela o tempo. Deitada e serena, a bela mulher agora fitava os céus. O terraço alaranjava-se e a sombra do prédio se perdia ao longe, junto da do urubu que retornava a seu posto.

     O silêncio da cena, paisagem morta, permanecia o mesmo. Em contrapartida, algo misterioso chamava a atenção da ave negra, que agora contemplava fixamente acena antes ignorada.

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