A Chuva do Lado de Fora

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Lá fora, se ouvia as gotas caindo ao chão. A cada segundo ficava mais forte. Lá dentro, algumas horas atrás, estava tudo calmo, todos dormindo enquanto a chuva ficava mais densa.

Três horas. Essa é a hora que mais assusta a todos. Quando o relógio bateu as três horas exatas, pôde-se ouvir um barulho do lado de fora da casa, perto da entrada. Com a chuva ficando cada vez mais forte, mal dava para se ouvir qualquer outro som. Mais alguns minutos se passaram e aquele barulho se fez mais alto, mas agora dentro da casa, embora não forte o bastante para despertar os residentes.

Passado mais alguns minutos, e o barulho aumenta, dessa vez bem mais forte.

No quarto dos filhos, o mais novo desperta. De súbito, ele se levanta, e ainda sonolento, olha para a porta do quarto, fechada. A chuva continua forte, e os trovões e relâmpagos clareiam o quarto. Ele olha para a cama ao lado, que pertencia a sua irmã.

Apreensivo, ele olha ao redor. Iluminado pela luz que vinha do lado de fora, nada parecia estar fora do lugar. Mais um estrondo forte. Mais assustado, ele olha em direção a porta outra vez. Antes fechada, agora entreaberta. Ele ouve algo caminhando para dentro do quarto, passos largos e pesados. Ele volta a deitar, cobrindo-se até a cabeça, tentando não fazer um único barulho. O som dos passos aumenta, ele sente que está mais perto. Ele fecha os olhos, e começa a pensar nos pais, querendo sair dali, desesperadamente. Então, os passos param, perto de sua cama. Ele sente alguém próximo de seu rosto coberto. Pela luz fraca vinda da janela, ele enxerga uma sombra, grande se aproximando. Quando sentiu que aquilo o tocou, ele grita, o mais alto que consegue, o que, somado a mais um estrondo alto, faz com que a irmã acorde assustada.

Ela se levanta rapidamente, acende a luz e tenta socorrer seu irmão. Na tentativa de acalmá-lo, ela se senta ao seu lado e o descobre. Ele tenta avisá-la que algo está ali, e tentou pegá-lo.

“Não se preocupe irmãozinho, foi só um pesadelo. Volte a dormir, está tarde’’.

“Ele estava aqui, ele tentou me pegar, eu vi”.

“Vai dormir, não tem nada aqui”.

Na penumbra do quarto, ele vê a silhueta da irmã indo em direção a porta, e fechando-a ao sair. Ele então, deixa o abajur aceso, e tenta não pensar nisso.

O relógio em sua escrivaninha marca três horas e dez minutos.

A irmã volta para o quarto, fechando a porta. O cansaço não a deixa perceber que atrás da porta, a sombra a observa. Ela se deita, e apaga a luz. A sombra então, sai de onde se esconde, e a cobre como um véu por inteiro. No processo, ela tenta gritar, mas não consegue. Ele a sufoca, forçando todo o seu corpo. Ela então vê dois olhos vermelhos sangue, olhando diretamente para ela. Lentamente, ela perde a consciência e é levada para dentro do véu.

E assim, a sombra leva o primeiro membro.

No quarto dos pais, tudo está calmo. A mãe está do lado esquerdo da cama, de frente para a janela. O pai esta do lado direito, de frente para o banheiro. Penumbra. O pai então desperta, se levanta, e vai ao banheiro. A mãe se mexe, mas continua em seu lugar. Ele acende a luz, faz suas necessidades. Ao olhar para o espelho da pia, de relance, ele vê uma silhueta, crescendo da sua própria sombra. Espantado, ele olha para trás, mas não vê nada de diferente. Ao voltar para o espelho, tudo parece normal. Pensando ser por conta do sono, ele volta para a cama, esquecendo a luz acesa.

O relógio da parede marca três e vinte.

A mãe, inquieta depois de alguns minutos por conta da luz, se levanta. Ela ouve um gotejar, incessante, vindo do banheiro. Imaginando ter sido o seu marido, ela o cutuca, tentando fazê-lo acordar. De costas para ela, ele resmunga.

“Volte e feche a torneira, e você deixou a luz acesa”.

“Eu já me deitei outra vez, feche você, já que levantou, por favor”.

Contrariada, ela se levanta e vai até o banheiro. A chuva se intensifica. Quando chega na porta do banheiro, ela se horroriza. Vertendo sangue em cima da pia, ela vê a cabeça de seu marido. O corpo, esquartejado no chão. Ela entra em choque.

“Não pode ser, ele estava bem ali, ao meu lad...”.

Ela tenta gritar, mas não consegue. O medo a toma por completo. Sem perceber, enquanto estava paralisada, uma sombra, de olhos rubros, cor de sangue, a toma por de trás. Tapando sua boca, ele direciona seu rosto para o espelho, e antes mesmo de sequer conseguir se mover, ele a mata, seu pescoço, quebrado. A sombra desaparece, enquanto o corpo cai sem vida no chão.

E assim, a sombra leva mais dois membros.

Ainda assustado em seu quarto, o garoto se encolhe embaixo da coberta, pressentindo que algo não ia bem. Olhando então para o outro lado do quarto, ele lamenta que sua irmã não dormia mais com ele. E de súbito, ele ouve uma batida violenta do lado de fora. Os passos voltam, mais pesados, e mais rápidos. Ele sabe que está vindo até ele. Reunindo toda a coragem restante, ele se levanta, e corre para o quarto ao lado.

O quarto de sua irmã, que estava com a porta aberta.

Ele a chama, mas nada é respondido. Então, quando acende a luz, ele vê algo que quase o faz perder a razão. Do teto, suspensa com uma corda no pescoço, o corpo de sua irmã pendia, seus olhos revirados, seu rosto sem vida. Os pulsos cortados, o sangue caindo lentamente. Ele sai correndo aos tropeços, para o fim do corredor, o quarto de seus pais.

O relógio do corredor marca três e trinta.

Ele abre a porta, e corre para a cama, junto de seu pai.

“Pai, eu vi uma coisa horrível, minha irmã está pendurada, no quarto dela. Ela não se mexe”.

“Calma filho, foi só um pesadelo, já vai passar”.

“Posso ficar aqui hoje, por favor?”.

“Vem aqui filho, vem com o pai, vai ficar tudo bem”.

O pai então abraça o garoto. Ele ouve um gotejar, vindo do banheiro. Mas antes que pudesse se levantar novamente, o pai o segura, e o aperta. Do lado da janela, ele vê pelo reflexo, bem atrás dele, seu pai, com olhos rubros, cor de sangue.

O relógio de seu pulso marcava três e trinta e três.

“Bons sonhos, meu amigo”.

Um último estrondo forte, e a chuva se acalma. O braço do garoto tomba para fora da cama.

E assim, a sombra leva o último membro.

Naquela noite, tudo estava calmo. A chuva ficando mais fraca, nenhum barulho se ouvia na casa. No quarto do garoto, um tabuleiro se mexe de súbito. Um papel, embaixo dele, jazia escrito:

“Olá, quer brincar comigo?”

“Claro, vamos brincar todos juntos, vou levar todos vocês para brincarem aqui comigo. Posso entrar?”

“Sim”.


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⏰ Última atualização: May 21, 2021 ⏰

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