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manon; 13 de setembro

O piano está há alguns metros de distância, sobre o pequeno palco em frente as mesas do bar. É como se estivesse me esperando, chamando por mim, de alguma forma. Subo os degraus pequenos, e a madeira antiga causa um rangido baixinho que apenas eu sou capaz de escutar no momento. O palco tem espaço suficiente para o piano médio, o microfone esquecido no lado esquerdo – o garoto que canta vem apenas nas segundas e sextas – e duas pessoas, embora nunca chegue a isso. É sempre apenas uma: ou eu, ou Fenrys. 

Este é o primeiro emprego que eu realmente gosto. Talvez por ser o primeiro que me dê espaço, instrumento e salário decentes, mas há algo nas pessoas que frequentam o bar que me anima, de certa forma. Sinto que aqui sou um pouco entendida. Por isso nunca houveram reclamações sobre o fato de eu nunca dizer uma única palavra, apenas me sentar ao piano e tocar o que gostam de ouvir. Outra diferença: eles gostam de ouvir o que eu gosto de tocar. Sequer preciso me esforçar, porque aqui minha música é boa o suficiente. Queria que meus outros dois empregos fossem iguais ao que Elide conseguiu para mim. 

Quando a música começa a soar, ergo o olhar, e não me surpreendo quando vejo os olhos focados em mim, tão azuis que se destacam na pele clara e corada pelo frio. Então volto a atenção para o piano, para os meus dedos que expressam tudo que há dentro de mim, para a única coisa no mundo que me permite extravasar meus sentimentos – minha raiva e dor e alegria, de uma só vez. Ainda sinto seu olhar no decorrer das músicas. 

Trabalho aqui há três meses, todas as quintas-feiras. 

E ele sempre está aqui. 

Seu olhar penetrante não me incomoda mais – sequer incomodou algum dia. Tornou-se reconfortante, sendo sincera, embora eu nunca admita em voz alta que reparo no garoto de olhos azuis ou que gosto de sua atenção. Que sei quando ele não está aqui; que sei como ele está triste, assim como eu. 

Uma hora depois, os aplausos finais ecoam pelo bar e ofereço um sorriso pequeno ao descer do palco. Elide está há poucos metros sentada em um dos bancos altos do balcão, os pés pequenos pendurados a uma distância enorme do chão. Dou um sorriso ao me aproximar, pego sua cerveja e dou um gole. Finjo não reparar no seu olhar de raiva. 

— Você não deveria estar bebendo – ela fala, mas está sorrindo um pouco. 

— Eu não sou a gerente aqui – ergo as sobrancelhas, dando mais um gole. Elide foi promovida à gerente há seis meses, e sei que os funcionários daqui vão sentir sua falta quando a faculdade acabar e ela precisar sair. 

— Não estou trabalhando hoje. 

— Nem eu – brinco. 

Elide finge não ouvir, ou talvez realmente não tenha ouvido; os olhos escuros estão focados há alguns metros, e eu não preciso olhar para saber que ela está encarando o garoto de olhos azuis. Também não preciso olhar para saber que ele está se levantando, guardando o que sempre carrega dentro do casaco e saindo pela porta – o barulho do sino apenas confirma sua saída. É o que ele sempre faz quando desço do palco. 

— Ele demorou hoje – Elide diz, voltando a atenção para o balcão. — Você podia falar com ele da próxima vez. 

Ergo os olhos pela primeira vez, e ela está brincando com um fio solto de sua blusa, falando distraidamente. Nem deve ter percebido meu olhar de descrença. 

— Por que eu faria isso? – pergunto. 

Agora é Elide que me encara com descrença, como se a resposta fosse a coisa mais óbvia do mundo. E talvez seja. 

— Porque ele está aqui todas as quintas às onze, nem um minuto a menos, nem um a mais. Acho que depois de três meses já está claro que o Olhos Azuis só aparece aqui para ver você. 

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