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Karol


— Renato, eu não vou fazer nada disso. Já coloquei carolina  no
lugar dela e não quero ter que ser mal-educada com você.
Já estou em casa, acabamos de chegar do restaurante. Ruggero
disse que tinha algumas coisas do trabalho para ler e falou para eu
ficar à vontade. Renato me ligou, como sempre liga, e está exigindo
que eu tome uma medida drástica. Ele não quer que eu continue com
Ruggero .
— karol , estou falando pelo seu bem. Esse cara não presta…
— Até agora, ele não faltou com respeito comigo — respondo
despreocupada.
— O fato de ele ter mentido por todo esse tempo já é falta de
respeito. Ele deve ter rido nas suas costas, deve ter dito coisas
horríveis de você, deve ter sido um completo imbecil ao fazer os
planos com os amigos e deve…
— Chega! Ele pode ter feito tudo isso às escondidas, mas
comigo nunca foi assim. Desde quando era Heitor, até mesmo agora
que revelou a identidade, ele não foi um babaca. De verdade, estou
muito brava por ele ter mentido por todo esse tempo, mas só por
causa disso, pois, para mim, ele sempre foi uma boa pessoa.
Ouço um suspiro exasperado do outro lado.
— Olha, karol , quando você estiver chorando por alguma
coisa que ele tenha feito, só peço que não venha…
Me levanto com brusquidão da cama de solteiro no quarto de
Beni.
— Bater na sua porta é a última coisa que irei fazer, Renato. Não
darei a ninguém o gosto de me ver destruída. Isso se for eu a sair
destruída desse casamento, o que duvido muito. Agora preciso
desligar, tenho que ir dormir.
Desligo o celular e olho para Bernardo dormindo no berço.
Sento ao lado, na cadeira de balanço e, apenas com a luminária
acesa, eu olho o móbile acima do berço dançar.
No dia em que cheguei a essa casa, me deparei com um perfeito
quarto de bebê, desses que a gente vê em revista. É coisa fina, de
luxo. Tudo muito lindo, em tons pastel de azul e verde, os móveis de
primeira e cada coisa milimetricamente pensada. O armário está
cheio de fraldas, roupas novas e tudo o que um bebê pode precisar.
Minha mãe sempre dizia que, se alguém faz algo para um filho
dela, é a mesma coisa que estar fazendo para ela. Eu devia pensar o
mesmo sobre Ruggero  estar fazendo tudo isso pelo filho. A atitude dele
de bolar todo esse plano foi corajosa e honrada. Não falo isso para
ele porque não quero que fique mais convencido do que já é. E por
isso, se pararmos para pensar, veremos que, no mundo em que
vivemos, em que homens fogem das responsabilidades deixando a
mulher sozinha com um filho na barriga e onde existem homens
canalhas que exigem o aborto, encontrar um que faz de tudo, passa
por cima de leis e éticas para ter o filho com ele, é de se admirar.
Mesmo achando o gesto dele bonito, nada disso vai me fazer
mudar de ideia. Quero Ruggero  rastejando atrás de mim. Quero que ele
pague por toda mentira que me fez viver.
Mas e agora? Ele não tem mais nada a esconder e ainda afirma
que quer você para ele — uma vozinha sussurra na minha cabeça. E
é verdade. Se ele fosse um canalha que quisesse só o filho, ele me
ofereceria dinheiro, exigiria o divórcio e faria de tudo para se livrar de  mim. Mas Ruggero  ainda continua dizendo que me quer. Devo acreditar,
como eu já acreditei nele quando se passava por Heitor, e depois se
mostrou outra pessoa?
Olho o anel no dedo e lembro do nosso jantar. Eu fui dura com
ele, falei que estou esperando a derrota dele e que aplaudirei de pé
quando ele estiver caído. Será que agi certo?
Estou no meio da minha batalha mental quando ouço um
pigarro. Viro o pescoço e vejo Ruggero  na porta do quarto, só de calça de
pijama. A beleza dele me faz ficar com mais raiva e eu me lembro das
nossas deliciosas noites de prazer. Isso não vai me abalar, penso
determinada.
— Oi. Ele dormiu? — Ruggero  pergunta e entra no quarto trazendo
junto seu cheiro delicioso.
Olha no berço e sorri de boca fechada vendo o menino dormir.
Ele abaixa, dá uma beijinho na testa de Bernardo e vira-se para mim.
— Vamos dormir?
Meneio minha cabeça e olho curiosa para ele.
— Acha mesmo que eu vou dormir com você?
Ele espreme os lábios, depois solta e o cenho franze.
— Eu pensei que… sei lá, a cama é grande e…
— Não tem clima para dividirmos uma cama — interrompo.
— A gente não precisa fazer nada, kah . É só tentar conviver
bem…
— Você é sonso ou idiota? Acha que eu vou dividir o mesmo
cobertor com um cara como você? E na mesma cama que você
dormia com a minha irmã?
Ruggero  engole seco e continua calado me olhando perplexo.
— Escute, RRuggeo , eu estou suportando ficar debaixo do mesmo  teto que você, mas não venha querer brincar de casinha, porque não
vai rolar.
Ele balança a cabeça bem de leve.
— Tudo bem — concorda com a voz meio fraca. — Eu vou
dormir porque preciso… amanhã tenho que estar cedo na empresa.
Fique à vontade. Se quiser algo da cozinha… ou sei lá.
— Estou bem aqui. Boa noite — ainda sendo muito grossa,
continuo encarando-o com olhar incriminador.
— Tá.
Ele fica meio sem graça, está até meio pálido, olha para a cama
de solteiro e depois sai do quarto.
Respiro fundo, aliviada, e fecho a porta.
De agora em diante será assim, até que ele me devolva minha
liberdade.
E aí você volta para Angra e se casa com Renato. — minha voz
interior cínica fala, e eu fico com mais ódio. Eu sei como será difícil
esquecê-lo, mas não será impossível.
Nem dormi a noite pensando o que eu faria na minha nova vida
pós Heitor/Ruggero . Com a mesma chateação de Renato, vendo os dias
passar correndo de um lado para outro para criar Beni e ainda tendo
que dividir a guarda do menino. Pouco depois, eu estaria lá na minha
tão sonhada liberdade, na minha lojinha e teria que ver Beni
crescendo e indo visitar o pai que com certeza estaria com uma linda
mulher a sua altura. Isso me causou calafrios.
***
Quando o dia amanhece, Bernardo me tira logo da cama. Está
em pé no berço, chutando a grade e chorando sem lágrimas. É só
birra mesmo.

— Beni, vai dormir. Mamãe precisa descansar — resmungo, sem
querer sair de debaixo dos lençóis.
— Papá! — ele grita, levantando a boca para cima.
Levanto sobressaltada para acudir o escandaloso antes que
Ruggero  venha ver o que está acontecendo. E todos sabem que eu não
quero Ruggero  por aqui.
Percebo que ele está com a fralda cheia, deito-o no trocador e
troco a fralda pesada de xixi. Bernardo continua chorando inquieto.
Está com fome. Eu o deixo no berço, vou rápido ao banheiro, escovo
os dentes e ajeito os cabelos, sempre conversando com ele na
tentativa de mantê-lo calmo.
Em seguida, troco de roupa e torno a pegá-lo no colo.
— Vamos ver o que tem para comer — eu digo e saio do quarto.
Da cozinha vem um barulho. Desanimando, eu concluo que Ruggero
já deve estar de pé. Assim que entro, ele levanta os olhos e me
encara. Depois, sorri e me mostra o balcão cheio.
— Bom dia — cumprimenta. — Levantei mais cedo e preparei
um café para a gente. — Exibe orgulhoso o trabalho bem feito.
Meu estômago ronca de fome. O cheiro está maravilhoso, mas
eu finjo não me importar. Passo por ele ignorando-o.
— Beni está com fome — resmungo.
— Deixe eu segurar ele enquanto você prepara a mamadeira —
Ruggero se prontifica e, sem contestar, entrego Bernardo para ele.
Imediatamente, Bernardo abraça o pescoço do pai e encosta a
cabeça no ombro dele. Os dois se adoram. É incrível como Bernardo
aceitou ele tão depressa. Mesmo assim, nada disso é capaz de
mudar minha cabeça. Vou me vingar e vou ter minha liberdade de
volta.

Ruggero  se acomoda em um banquinho, coloca café em uma xícara,
pega um biscoito, entrega para Bernardo e toma um gole do café.
— Como passou a noite?
— Bem — murmuro.
— O quarto de Bernardo não tem ar-condicionado, espero que
não tenha feito calor.
— Estava ótimo.
Ele volta a beber café, e Bernardo está calado saboreando seu
biscoito.
— Já ligou para seus pais?
— Sim.
— Contou para eles sobre…
— Não. Minha mãe está doente, não quero que ela se preocupe.
— Está certa. — Ele concorda — E como está o estado de
saúde de Laura?
Me viro para ele e, de olhos semicerrados, pergunto:
— Está mesmo interessado em saber o estado de saúde dela?
Não precisa ser cínico.
— Cínico eu seria se não tivesse perguntado — ele resmunga e
se cala, olhando para um jornal no balcão.
Termino de preparar a mamadeira, vou para perto dele e tento
pegar Beni. Mas ele começa a espernear e chorar, quer ficar no colo
de Ruggero .
— Me dê, deixe que eu dou a mamadeira a ele. — Ruggero  estende
a mão e eu fico segurando firme a mamadeira. Estou me sentindo
traída pelo meu próprio filho.
— Me dê, karol  — ele torna a pedir, e eu entrego. — Sente-se
e tome café. Preparei um bolo, mike e  Agustín  gostam muito. — Ele  aponta para um bolo de aparência ótima.
— Não quero — rosno.
— Só um pedacinho. Prove para ver como estou me saindo na
cozinha.
— Eu já disse que não quero — rebato em voz alta. — Não
tenho fome pela manhã.
— Ok. — Ele desvia os olhos de mim e fica olhando Bernardo
deitado em seus braços com a mamadeira na boca.
Ficamos calados. Eu pirraçando, de pé na cozinha doida para
tomar café e ele encantado com o bebê.
— Quer saber um segredo? — ele pergunta, mas acho que não
quer minha resposta, pois fala logo em seguida — Eu tive medo de
Beni não ser meu filho.
— Como assim?
— Digamos que carolina  não foi uma namorada confiável. Ela
mandava na própria vida, e eu estava atraído demais para perceber
que ela tinha amantes.
— Ela te… traía?
Ruggero  levanta os olhos e me encara.
— Sim. Carolina  jogou na minha cara no dia em que brigamos, no
dia em que descobri que um bebê existia.
— Por isso fez o teste de DNA?
— Também. O teste facilitou quando assumi paternidade. Eu
amei Beni desde a primeira vez que o vi, então fiquei com muito medo
de ele ser filho de outro cara.
Vejo uma rápida sombra de honestidade nos olhos dele, mas
Ruggero  desvia imediatamente e volta a fitar Beni em seus braços.
— Mas vocês se parecem muito.

Minha perdição   (Terminada )Onde histórias criam vida. Descubra agora