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Karol

— Sim, eu sei… acho que foi um medo infundado. Pelo menos,
nessa parte, Carolina  não mentiu.
— Acha que ela mentiu sobre os sentimentos por você?
— Ela não tinha sentimentos por mim. Sua irmã queria o status e
a boa vida que eu podia dar. Ela é uma mulher cara, alto padrão.
Além de ter eu ter dado tudo, ainda exigiu um apartamento de luxo.
— Você deu aquele apartamento para ela?
Curioso, ele me encara.
— Você viu o apartamento?
— Sim. Me refugiei lá nos dias em que fiquei longe.
— Hum — ele resmunga anuindo. — Pronto, terminou. —  Ruggero
coloca Bernardo de pé em seu colo. — Bom, eu tenho que trabalhar
agora. Fique à vontade. Se mais tarde você quiser, pode provar um
pedacinho do bolo que fiz…
— Você não pode ir trabalhar agora! — falo depressa.
— Não?
— Não. Prometeu que iríamos fazer compras, lembra?
Ele coça a cabeça, evita mais uma vez contato visual e, meio
sussurrado, diz:
— Não podemos deixar para sábado? Hoje meu dia está muito
corrido. Tenho uma reunião muito importante às nove.
— Não quero saber, Ruggero . Mande alguém ficar no seu lugar.
Vamos agora pela manhã — imponho, como uma mulher birrenta.
— karol , isso não é negociável. De verdade, eu preciso estar
na empresa…
— Então o trabalho é mais importante? — Reviro os olhos e,
irônica, continuo: — Como eu pude pensar o contrário? Achei que
você seria diferente…

— Tá. Escute: eu deixo você no shopping, vou à reunião, depois
volto para te buscar. O que acha?
— Acontece que preciso de você para pagar.
— Então fique aqui. Depois da reunião, eu passo para te pegar,
e vamos juntos. Tudo bem assim?
— Não, Ruggero , não está bem. Você me promete uma coisa e
depois…
— Tá. Espera — ele me corta impaciente e sai da cozinha
levando Bernardo com ele.
Eu olho para as coisas em cima do balcão e meu estômago
ronca, mas meu orgulho ronca mais alto. Não quero dar brechas para
Ruggero .
Nesse momento, vendo esse café da manhã, uma luz de
sensibilidade abre meus olhos para a realidade. Eu baixo a cabeça e
fico pensando. Será que eu não estou fazendo as coisas de um jeito
errado? Poxa, ele está sendo gentil comigo. Eu poderia retribuir, fazê-
lo acreditar em algo que não existe e depois dar o bote. Ele não foi
pra cima de mim com quatro pedras quando quis me seduzir em
Angra. Se eu continuar sendo uma cretina, é ele que vai me odiar e
me dar um pé na bunda. Como eu fui tão tola? Tenho que reverter
essa situação.
Ruggero  volta para a cozinha e diz:
— Sinto muito — ele começa, meio sem jeito. — Liguei para a
empresa, mas não há a opção de eu faltar hoje.
Dou um sorriso gentil. Mudança radical de estratégia.
— Tudo bem. Você me deixa no shopping com Beni e depois, se
tiver tempo, pode nos pegar.
— Sério?
— Sim, mas antes de irmos eu vou tomar um pouco de café. A
fome chegou, vamos ver se esse bolo está mesmo bom.
Ruggero  senta no banquinho já sorrindo, como um menino levado
que a mãe elogia.
— Eu não sou um cozinheiro de mão cheia, mas acho que dá
para engolir.
Sob os olhos atentos dele, corto um pedaço e provo. Está
sensacional, mas não vou levantar muito a moral dele.
— Está comível — eu digo e ele ri.
***
Ficamos o dia todo fora. Ruggero deixou Beni e eu no shopping e foi
trabalhar. Me deu um dos cartões dele e disse que eu podia comprar
o que julgasse necessário. Se fosse um pouco mais cedo, eu tinha
comprado coisas supérfluas e caras em uma tentativa de deixá-lo
furioso, mas agora que pensei melhor e abri os olhos para a
realidade, sei que devo atraí-lo mais e mais, como ele fez comigo em
Angra.
Ruggero  ganhou meu coração como Heitor porque, em momento
algum, ele faltou com o respeito ou foi babaca comigo. Assim que eu
preciso ser, por isso fui apenas em lojas de crianças, para comprar
coisas para o filho dele, e em uma loja de roupas femininas, onde
comprei um jeans e uma blusa para mim. No resto do tempo, andei
pelo shopping empurrando Beni em um carrinho luxuoso que Ruggero
tinha comprado e deixado no quarto.
Depois de andar um pouco, me sentei com o bebê na praça de
alimentação, e ruggero  chegou nesse momento.
— Oi. Demorei? — Ele se abaixa, beija a cabeça de Beni, fica
em dúvida se me beija e resolve não arriscar. Se afasta e senta à  minha frente.
— Não demorou. Se quisesse, poderia ficar na empresa. Eu e
Beni poderíamos voltar de táxi.
— Não. Eu prometi — ele fala sem dar muita importância e olha
para as poucas sacolas.
— Só comprou isso?
— Eu estava esperando você chegar. Comprei só algumas
coisas que Beni está precisando, e uma roupa para mim.
— karol , pelo amor de Deus. Quero que compre o que
precisar. Esse cartão que te dei vai ficar sempre com você. Gaste
como achar necessário. — Ele olha para a mesa, vê o copo de suco
vazio. — Já terminou?
— Sim — acabo de falar, e ele faz um sinal para um garçom vir.
Assim que o homem chega, ele paga o suco e se levanta, pegando as
sacolas.
— Vamos dar uma volta. Conheço umas lojas legais.
— Vinha sempre com minha irmã?
— Nunca. Você conhece Carolina , ela faz as coisas por conta
própria.
Subimos a escada rolante, e sigo Ruggero até uma loja de roupas
femininas.
— Fique à vontade, kah , eu fico com Beni — ele se prontifica,
prestativo.
Imediatamente, uma mulher vem nos ajudar. Ela olha para Ruggero
todo formal de terno sem gravata, depois olha para mim com o
mesmo sorriso. Mesmo me ajudando, o olhar dela, volta e meia, caía
sobre Ruggero , que estava indiferente, sentado em uma poltrona com
Beni no colo.
Todas nós sabemos que homens, geralmente, demoram a
perceber que estão sendo observados, mas nós, namoradas ou
esposas, detectamos no mesmo momento quando algum perigo
ronda com olhos grandes o homem da gente. Tá, ele pode ser tudo,
mas ainda assim é meu.
Não fiquei muito tempo ali. As roupas eram lindas, mas essa
mulher olhando para ele me deixou irritada.
— Não vai escolher mais nada? — Ruggero  perguntou.
— Poderíamos ir em outra loja? Esses vestidos não combinam
muito comigo.
Ele me olha de cima a baixo e volta os olhos para meu rosto.
— Qualquer coisa fica boa em você — me elogia olhando meu
corpo, e isso me deixa com o ego inflado.
Saímos da loja com a mulher acompanhando os passos de ruggero
com os olhos. De uma coisa eu sei, se eu der um pé na bunda dele,
não vai ficar muito tempo disponível no mercado. Vai ter fila de
oferecidas querendo ser a nova mulher dele, e pensar nisso me
deixou nervosa.
Depois, eu acabei aceitando e engolindo meu ciúme. Todas as
atendentes nos recebiam muito bem e ficavam de olhos grudados no
homem elegante e atencioso comigo e com o bebê.
Ruggero  é aquele tipo de cara que emana sensualidade e
aristocracia ao mesmo tempo. Qualquer roupa cai muito bem nele; de
pijama, de camiseta, sem camiseta, de terno, de qualquer jeito ele
fica uma loucura. Ele é másculo, bonito, e um simples sorriso deixa
qualquer uma de pernas bambas. Se não tivesse sido tão canalha
comigo, seria o marido perfeito. Dá até pena chutar um homem tão
lindo como ele. Mas tem que ser feito. Ruggero  precisa saber que ele não
é o bonzão que planeja, dá golpes e ainda fica impune. Se ele estiver
achando que eu sou como as tolas valu e Júlia, que perdoaram os
outros imbecis, ele está muito enganado.
Saímos do shopping carregados de sacolas. Tenho tudo o que
uma mulher precisa. Mesmo eu contestando, ele foi insistente a ponto
de me empurrar loja adentro, inclusive na loja de lingeries. Fiquei
enrubescida e escolhi algumas peças, enquanto ele ficou do lado de
fora da loja, sentado em um banco com Bernardo.
Almoçamos como uma família feliz em uma restaurante pequeno
e bem aconchegante, depois fomos para casa.
— Eu tenho um closet enorme, já reservei uma parte para você
— ele diz meio sem jeito, esperando que eu vá brigar. — Pode
arrumar suas coisas do jeito que quiser.
— Tudo bem — concordo.
— Tudo bem? — pasmo, Ruggero  repete.
— Sim. Quer me mostrar?
— Lógico. Venha comigo. — Eu o sigo para o quarto dele.
Eu entrei uma vez aqui quando eu e valu chegamos e fomos
colocar Bernardo na cama. Me lembro dos móveis, cores e toda a
ornamentação do quarto. É mais do que um simples quarto de
solteiro, era grande e bem esquematizado. Agora, quando entrei, tudo
está diferente. Não há mais a mesma cama; o tapete também mudou;
não tem mais medalhas na parede acima da cama; e as bugigangas
que eu tinha visto antes, como uma luva de boxe numa caixa de
vidro, uma camisa da seleção emoldurada e uma foto grande de Ruggero
vestido de soldado do exército não estão mais aqui também.
Agora, há quadros mais leves, um de paisagem acima de uma
cômoda e outros dois pequenos abstratos acima da cama. E, para o
meu espanto, uma foto minha e dele no dia do casamento também
está emoldurada e pendurada. A foto está em preto e branco, em
tamanho de pôster, e nela estamos abraçados com os rostos colados
e sorrindo para a câmera. Apesar da cor das paredes ainda ser de um
tom claro de cinza, com um papel de parede branco com riscos
abstratos pretos, o quarto adquiriu a aparência certa de um quarto de
casal. Até as cortinas mudaram.
— Não há mais vestígios de homem solteiro, muito menos da
cama que Carolina  dormiu — ele fala, dá um passo para dentro e me
encoraja a entrar também.
Caminho para perto da cama e olho nossa foto. Foi o dia mais
feliz da minha vida, e eu achava que duraria muito tempo.
— Quando fez isso tudo?
— A foto eu já tinha. Assim que saímos, hoje de manhã, eu liguei
para minha mãe e contei a situação. Ela preparou tudo, inclusive
comprou a cama e as novas roupas de cama.
Estou lisonjeada por ele ter trocado a cama só porque eu falei
aquilo ontem. Será que fui muito cruel?
— ruggero … eu…
—  Ruggero , eu só quero que você se sinta em casa. Mesmo que
seja difícil, gostaria que sua estadia aqui fosse mais agradável.
Querendo ou não, você faz parte da minha família agora, e quero
muito proporcionar a vocês dois tudo de bom. Se quiser dormir
comigo, prometo que não vai acontecer nada. — Ele dá um sorriso
charmoso e levanta uma mão como em gesto de juramento. — Eu sei
me controlar… mesmo com uma esposa tão linda.
Não teve como eu não sorrir também.
— Tudo bem. Eu vou pensar sobre isso.

Minha perdição   (Terminada )Onde histórias criam vida. Descubra agora