Dois dias antes

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— As regras são o seguinte: nada de brincadeiras com duplo sentido, sem apologia a qualquer parte do corpo e pelo amor de Deus toma cuidado com o que vai sair dessa boca! — Falei para Gustavo e Tony, que se entreolharam por um segundo e sorriram com cinismo.

— Você sabe que seus pais já conhecem a gente né?

— Mike Mike é meu brother! — Tony falou.

Fechei os olhos e tornei a abri-los para Vitória, que estava do outro lado do celular, por vídeo chamada. Ela riu bebendo seu suco de uva por um canudo em espiral.

A bendita ideia de convidar os meninos havia partido dela, e minha mãe como uma perfeita anfitriã, achou a ideia maravilhosa.

— Papai preparou chimarrão. Ele não faz isso para qualquer um, e mesmo que faça anos que você não o veem, será de boa! Confia!

Eu não estava muito segura disso. Meu pai odiava que eu trabalhasse em um bar, e não suportava a ideia de ter saído de casa para morar com Tony, quando fizemos dezoito. Quando os tempos eram mais fáceis, meu pai havia conhecido os meninos, mas o seu favorito era Mateo. O garoto certinho com notas perfeitas... o genro perfeito.

— Vamos logo! Será uma hora até lá e precisamos voltar antes das seis! — Gustavo falou, e assim o fizemos.

Caímos na estrada por uma hora inteira. Quando paramos na frente do sítio do meu pai, fiquei com uma sensação de felicidade instantânea. Eu estava com muita saudade deles.

— Ah minha graça! — Minha mãe veio até mim com um abraço forte. Seu cabelo ondulado estava curto demais, e seus braços mais finos. — Minha nossa que cabelo comprido! Você parece bem, querida! Os 26 só a beneficiaram!

—Obrigada... Estou bem mãe — Olhei para trás. Gustavo e Tony estavam parados cada um com seu estilo, nos encarando sem saber o que fazer. — Lembra do Gustavo, irmão do Mateo e...

— Tony! Claro que lembro! Venham aqui meninos!

Seguindo as ordens da minha mãe, eles andaram até ela, cada um lhe dando um abraço. Ri por dentro. Não tinha nada mais prazeroso do que vê-los sem saber o que fazer, já que os dois sempre bancavam os espertinhos cheios de tiradas.

— Andrea! Quem está aí?

— Valentina, querido! — Minha mãe gritou e nos chamou: — Vamos para dentro! A mesa está recheada, vocês vão amar!

— Valentina, querido! — Minha mãe gritou e nos chamou: — Vamos para dentro! A mesa está recheada, vocês vão amar!

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Afundei no sofá. Se eu soubesse que estaria vendo meu pai, com Gustavo e Tony jogando videogame há alguns anos atrás, eu riria. Apesar de estar feliz por enfim ver meu pai se desprendendo de seus tabus, eu não poderia estar menos revoltada com a facilidade que fui descartada pelos dois idiotas da minha vida.

— Ah merda! — Tony bravejou e olhou para mim: — Quer dizer... Poxa vida!

Revirei os olhos. Meu pai riu e falou:

— Tini, isso é mais legal do que o jogo de botão da sexta a noite!

— Aposto que sim papai... — Murmurei.

— O que tem acontecido de novo em Gramado? A temporada de inverno chegou e eu já estou animada para as comemorações! — Minha mãe falava sentada em sua poltrona cinza, com os olhos vidrados na revista de fofocas.

— Nada de diferente — Tony resmungou dando de ombros, e em seguida ergueu os braços em vitória. — Bowser nunca me decepciona!

Gustavo sorriu para o amigo, antes de me encarar por alguns segundos. No mesmo instante as cenas da noite passada passearam pela minha mente. Meu rosto esquentou e eu só consegui desviar o olhar para a televisão.

— Na verdade... — Gustavo começou a falar — Farei uma espécie de promoção no Dia dos Namorados. Um casal e bebidas de graça. As pessoas estão animadas para isso, é a primeira vez que terá bebida de graça no Pub.

— Isso é muito bom! — Meu pai exclamou. — Deveríamos ir querida!

— Topo — Ela respondeu com entusiasmo, e ergueu os olhos para mim com o cenho franzido. — E você, Tini? Acredito que precise de um par também, certo Gustavo?

— Sim. Eu a convidei... Pensei que seria legal.

— Parece uma boa ideia! Ficar sozinha não seria legal — Mamãe concordou.

— Veja bem querida, Gustavo é muito atencioso. Está preocupado com sua pessoa, e claro pelo óbvio! — Olhei para meu pai com o cenho franzido. — Vocês não estão noivos? — Meu pai perguntou e olhou para Vitória que entrou na sala no mesmo instante. Arregalei meus olhos para minha irmã, boca grande.

— Desculpa? — Ela falou encolhendo os ombros.

— Ah... — Gustavo começou a falar, mas foi interrompido por Tony.

— Tina surtou e deu um fora nele!

— Antônio! — Gustavo e eu exclamamos.

— É a verdade! Tony tem pesadelos com o acidente do Mateo e a Tina teve um sonho romântico com Mateo da época que eles namoravam. Tudo meramente imaginário. Agora Gustavo está fazendo terapia e Tina está se sentindo uma traidora.

— Vocês terminaram por conta de um sonho? — Meu pai cortou o silêncio que se instalou e se levantou com uma risada baixa. —Vocês jovens são tão engraçados. Tirarei um cochilo, não tenho dúvidas que darão um jeito nisso.

Todos olharam meu pai sair e depois se voltaram para mim em silêncio. Expirei e olhei para minha mãe, que parecia curiosa.

— Nós estamos indo com calma... — Falei.

— Estamos? — Gustavo perguntou com sarcasmo. Minha mãe riu e se levantou.

— Vamos Vitória, essa conversa não é para o seu ouvido! — Sendo praticamente arrastada minha irmã saiu da sala.

Quando os passos das duas se afastaram, eu peguei duas almofadas e arremessei nos dois idiotas que riam.

— Ai Tina!

— Não acertou! — Gustavo zombou, e no estante seguinte caiu no chão. Corri até ele. — Inferno de carma!

Tony o puxou e ambos me olharam. Eu me sentia uma criança, perto de adultos.

— Vocês repararam que Mike Mike estava feliz?

Gustavo concordou e eu não pude deixar de sorrir. Enfim, eu me sentia em paz.

Seguimos a tarde jogando, e conversando como sempre fizemos. O clima entre Gustavo e eu parecia como sempre, o que só afirmava meus sentimentos. O que me faltava apenas... Era uma resposta.


Bowser: O Rei Bowser Koopa, conhecido no Japão como Koopa (クッパ Kuppa), ou somente Bowser, é o do universo , consagrada franquia da , e também um dos mais famosos vilões da empresa.


Chimarrão: Ou mate, é uma bebida característica da cultura do Cone Sul legada pelas culturas indígenas caingangue, guarani, aimará e quíchua. É composto por uma cuia, uma bomba, erva-mate moída e água.

O feriado da desilusão (Conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora