Capítulo I: Sou apenas um homem morto andando, hoje à noite.

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O ano era 2015.

As pílulas estavam perfeitamente posicionadas sobre a mesinha branca e limpa enquanto a enfermeira morena estendia um copo d'água na direção dos corpos cansados — mas, acima de tudo, sorridentes. O fim da vida, afinal, não seria ruim. Aquela era a oportunidade que tinham de viver por mais um dia sem preocupações e arrependimentos, pois tinham a companhia um do outro e talvez se encontrassem no lugar melhor.

A mão enrugada e cheia de pintinhas de Byun Baekhyun capturou a medicação colorida e, um pouco trêmula, levou aos lábios, assim como fazia o seu esposo Park Chanyeol. Não seria uma despedida, pelo menos não agora. O último desejo dos dois homens foi o mesmo: passar mais uma tarde juntos, curtindo o sol na praia onde descobriram o amor; e a noite, num bar qualquer da cidade de Tóquio, desfrutando de bebidas. Provavelmente, entrariam em alguma briga aleatória. Mas eles só sabiam viver daquele jeito: tiveram uma adolescência alvoroçada e, acima de tudo, divertida. Mesmo depois de muitos anos, ainda lembravam-se das inúmeras juras de amor e noites no karaokê nipônico que tinham o hábito de frequentar quando eram jovens.

Ambos tinham a ciência de que era a hora de partir quando as mãos se uniram. O último desejo dos velhinhos com um sangue ainda tão jovem foi atendido. Os olhos se fecharam e, por um momento, tudo o que Baekhyun podia ouvir era a música de Bowie em seus ouvidos, e o sorriso se expandiu.

No momento em que suas pálpebras tornaram a se abrir, com as retinas agora cem por cento funcionais — como qualquer moleque de vinte anos possuía —, ele se exasperou em conferir o horário no relógio de pulso que possuía: 23:59:45...

O tempo era uma dádiva.

Agora, Park Chanyeol tinha os cabelos penteados para trás e eles sabiam exatamente onde estavam. Encarou o seu reflexo e o do namorado no espelho do quarto que costumavam dividir na juventude e, ao fundo, um disco de vinil do Bowie os acompanhava naquela viagem através do tempo. Sua cama, os móveis, cortinas; tudo estava no seu devido lugar. Aquilo mexeu com o interior de Byun, que sentiu a nostalgia lhe atingir em cheio, somente por estar revivendo tudo aquilo uma última vez. No momento em que os olhos se encontraram com o do noivo, pareciam até mesmo ter notado uma faísca crescente. Era o fogo do amor que alimentava ambos, aquilo que os motivou a passar uma vida inteira juntos. Se amavam, tinham a plena certeza de que eram almas gêmeas, e a prova maior daquilo era a oportunidade que tiveram de retornar aos bons tempos para viver as últimas horas juntos.

Sem mais delongas, as mãos foram dadas e eles partiram para fora da residência em busca da diversão. Passando pelas ruas do antigo bairro de Nipponbashi, as flores pareciam mais vívidas. As crianças correndo na rua, a casinha amarela de tinta descascada pela qual passava todos os dias a caminho da faculdade, a padaria que emitia um aroma sem igual pelo qual o seu estômago roncava nas manhãs mais chuvosas, ansiando por um bolinho quente. Byun estava eufórico, e ficou ainda mais quando reencontrou o seu melhor amigo Jongin; ele, que o apresentou ao Park, tinha um sorriso no rosto enquanto os arrastava para um estúdio de tatuagem feito às escondidas, é claro. A tatuagem ainda não era algo tão bem visto no Japão. Contudo, aquelas salinhas no subsolo de um restaurante qualquer indicavam que havia mais alguns trabalhos a serem feitos.

O corpo de seu noivo já era coberto por algumas tatuagens, como nos braços e suas costas. Eram charmes nos quais adorava pincelar os lábios enquanto faziam amor, e por isso decidiu que era hora de pintar sua própria pele também. Uma rosa foi feita no seu antebraço e, para confortá-lo, o Park distribuiu alguns selares por todo o seu rosto. Nunca deixaria que os outros vissem as lágrimas salgadinhas que vez ou outra escapavam do canto de seus olhos, apenas aquele que tinha todo o seu coração.

"Tá tudo bem, gatinho?" ele se pronunciou, preocupado com o loirinho choroso. E com um sorriso terno e exibindo a nova tatuagem recém-adquirida em seu braço, ele assentiu sem mais preocupações.

Até que a morte nos separeOnde histórias criam vida. Descubra agora