Vanessa em "Benção ou Maldição?"

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O Chalé de Íris reveza com Apolo os plantões na Enfermaria. Vanessa, conselheira e única filha da deusa da luz, usava esses momentos para treinar seu dom. Ela conseguia emitir uma energia mística com propriedades curativas e purificadoras. Sua mãe era a divindade responsável por ligar o mundo divino ao mortal, logo, ela reproduzia alguns desses atributos. Já havia curado ferimentos bem sérios, como quando o chalé de Ares decidiu fazer "cinco minutos de vale tudo sem perder a amizade". Até mesmo conseguiu bloquear efeitos nocivos de magias de Hécate e Vênus. Mas ela queria mais poder, algo mais ofensivo.

Naquele dia a única ocorrência havia sido uma filha de Hipnos que tropeçou num obstáculo e abriu um profundo corte na testa. Fazer atividades com sono não era uma atitude inteligente. A mente de Vanessa estava longe, sentia saudade da família, do Rio de Janeiro, das praias e do calor. Mas sabia que não podia voltar para casa... Não depois do pai ter sido abordado por uma daquelas Lâmias demoníacas. Ele enxergou apenas uma velha freira, mas a garota percebeu os olhos sanguinários e as garras afiadas. A senhora megalomaníaca foi o estopim de sonhos e paranóias que resultaram na sua fuga de casa.

Fugir tinha sido a coisa mais difícil e dolorosa que havia feito em seus quinze anos de vida. Ela achava estar louca, via imagens em seus sonhos, tinha pressentimentos de quais caminhos pegar. Até que encontrou um grupo de adolescentes tão desgarrados quanto ela. Num posto de gasolina no interior de São Paulo se uniu a Bili, Ariel e Clara, jovens desconhecidos com os mesmos sintomas, perdidos, procurando um tal acampamento e fugindo de duas velhas monstruosas. Inclusive, um deles tinha uma espingarda que ninguém enxergava, exceto eles. Levemente perturbador.

Foram dias mal dormidos, sem dinheiro, sem comida...O estresse era tão grande que em determinado momento ouviam os sibilos dos monstros por todos os lados. Quando estavam a poucos quilômetros do destino seguro, Vanessa caiu em uma cilada, aceitou comida dos monstros disfarçados. O grupo todo foi atacado. Conseguiram chegar ao Acampamento Perdido mas o preço foi alto. Bili, o mais velho dentre eles, se sacrificou para que os outros pudessem se salvar. A filha de Íris, meses depois, ainda se culpava. Era difícil aceitar que sua fraqueza causou a morte de um amigo. Lealdade era o que ela mais prezava, mas no momento da prova real, foram só palavras vazias. Isso a consumia em silêncio.

Quando sua rotina terminou, no caminho para o chalé quatorze, se divertiu vendo aquele bando de garotos fazendo coisas pertinentes à idade. A filha de Hécate, a pedido dos filhos de Apolo, enfeitiçou um antigo rádio a pilha supostamente encontrado pelo pessoal de Hermes. A tecnologia não era permitida, mas ninguém disse nada sobre equipamentos pré-históricos encantados. Vanessa foi contagiada pelo som da JBL falsificada: "Sua graça e sua energia/ É coisa mais linda vibe surreal/ Conectado a essa pura magia" O ritmo dançante, o pessoal conversando e rindo alto, um jogo de futevôlei rolando... Inevitavelmente ela se lembrou de casa. Queria sentar no gramado com os amigos. Betina e Flávia dividiam uma toalha e fofocavam animadamente. A maioria do pessoal, talvez pelo parentesco divino, eram bem atraentes. Semideuses adolescentes com hormônios em fúria tinham pouco tempo livre exatamente por isso, conclui ela. Os filhos de Ares desfilavam mostrando os músculos e seus óculos espelhados. Tirando o contexto mitológico, a idiotice afetava a mente de todo ser humano após a puberdade, era inevitável.

Ela precisava de um banho. Tinha que colocar a cabeça no lugar. Em poucas horas seria a cantoria na fogueira e não queria estragar o momento com os amigos. Era um momento de união e confraternização. Com a guerra iminente e tantas missões de espionagem sendo enviadas, estava cada vez mais difícil reunir todos os companheiros. Ela era a filha de Íris, a deusa do arco-íris! Fingir estar feliz e radiante era fácil pra ela, mesmo que por dentro estivesse destruída. Ela não se permitiria fraquejar, não reclamaria e não deixaria uma lágrima escorrer.

O Conto das Parcas: As Três Maldições - Vol IIOnde histórias criam vida. Descubra agora