A festa na fazenda

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Quatro meses se passaram após o meu aniversário. 

Tudo transcorria bem...

Passei a evitar contato com o Sr. Ucor. Falávamos somente quando necessário. 

Na maioria das vezes, os outros colaboradores da fazenda eram meus intermediários.

  Acredito que ele entendeu o recado!

Era mês de junho e todos estavam animados com os preparativos de nossa tradicional festa junina!

Eu havia decidido não participar. Estas festas me trazem grandes e lindas lembranças de momentos maravilhosos vividos com Luis. Ele era um "pé-de-valsa" sem igual. 

Dançávamos a noite inteira ao redor da grande fogueira. Como sinto sua falta!!!

Entretanto, depois de muito insistir, Olly e padre Pil me convenceram que alegrar-me um pouco iria me fazer bem.

Acompanhei os preparativos, mas deixei quase toda a organização por conta dos colonos, mesmo porque, esta festa era principalmente para eles e suas famílias.

Chegou o grande dia! Ficou tudo muito bonito e preparado com capricho. As bandeiras coloridas balançavam com o vento frio da noite. Uma grande fogueira foi acesa no meio do enorme pátio, com o propósito de iluminar e aquecer. Da cozinha saiam, a todo momento, deliciosos bolos, canjicas, milhos cozidos, curaus e outras delícias. 

Grandes e vermelhas batatas doces eram assadas ao lado da fogueira. Cantigas regionais e vestimentas típicas davam um ar caipira à festa. Casais de colonos dançavam e rodopiavam, numa felicidade sem fim.
Fico com eles um pouco e logo subo para o meu quarto, deixando-os alegres e à vontade.

Durante algum tempo, acompanhei a animação de minha varanda. Resolvo deitar-me.
Festas Juninas sem Luis não me animam!

Já são meia-noite e acordo com o barulho forte dos fogos. Corro para a varanda e assisto ao lindo espetáculo pirotécnico!
Realmente maravilhoso!!! A fazenda se ilumina com um clarão indescritível!

Ao longe, próximo à grande fogueira, avisto o Sr. Ucor, com um copo de quentão na mão, a me observar.
Esquisito... Senti-me tremer por dentro. Parecia que, mesmo à distância, ele me mapeava com os olhos.
Devido a claridade da fogueira em seu rosto, consigo observá-lo com atenção.

Olly tinha razão. Sr. Ucor era um homem muito forte e bonito. Deveria haver muitas mulheres aos seus pés! Sinto calafrios... Muito esquisito...

Por um instante tive vontade de dançar ao redor da fogueira, como Luis e eu fazíamos... Desejei sentir-me amada novamente. Afinal, o céu estrelado era um convite para uma noite romântica... Falei baixinho: "Pare de sonhar, Nana, amanhã teremos um longo dia de trabalho"!

Volto para cama e logo pego no sono.

Amanheceu...

Na cozinha o barulho dos talheres e o cheiro gostoso de café me anuncia que é hora de levantar.
Desço, tomo o meu café e inicio minhas atividades diárias.
Depois do almoço vou para o escritório e resolvo dar uma olhada no livro contábil da produção de café . Assim, poderei informar a Olly quantas sacas iremos negociar esta semana.

Estou sentada à mesa ao lado da janela, analisando tudo com atenção.
De repente, percebo alguém atrás de minha cadeira. 

Ao virar-me deparo com Sr. Ucor a observar-me, em silêncio.

Em suas mãos  um prato transparente e pequeno, coberto por um alvo pano-de-prato.

Olho-o firme e pergunto, de forma ríspida: 

- Sr. Ucor!!! O senhor me assustou. O que quer em meu escritório?

Gentil, ele estende-me o prato e diz:

 - Desculpe-me senhora, não foi minha intenção assustá-la. Observei que, pela primeira vez, a senhora não participou da festa junina da fazenda. Pedi para separar-lhe um pedaço do bolo de milho que tanto gosta. Aqui está.

Esticando uma das mãos vejo a pequena fatia de bolo e, evitando olhar em seus olhos, agradeço e logo dou-lhe as costas, voltando para minhas contas, indiferente à sua presença. Nem percebi quando saiu.

No mesmo dia, como de costume, Olly veio à minha fazenda para viabilizarmos algumas negociações comerciais.
Fechamos o pedido para a semana e lhe pergunto: 

- Olly, é impressão minha ou você  está mais inquieta que de costume? 

Ela responde com um largo sorriso no rosto:

 - Tenho uma excelente proposta para lhe fazer, Nana... Você se lembra que o mês passado fui ao Rio de Janeiro para me encontrar com um casal de amigos que administram uma renomada bolsa de valores?

Balanço a cabeça confirmando.

- Pois é... adquiri algumas ações e hoje, ao acompanhá-las, vi minhas aplicações triplicarem! O que você acha de adquirir algumas ações também, Nana? A sua safra de café está cada vez mais lucrativa! Bolsa de valores é um ótimo negócio!

Depois de conversarmos por um longo tempo, ela convenceu-me. A partir daquele dia passei a adquirir ações na bolsa de valores do Rio de Janeiro.

Após uma semana, Olly entra correndo em meu escritório e diz: - Não te falei, amiga? Não te falei? Essa semana ficamos muito mais ricas!

Logo percebo que ela se refere às tais ações da bolsa de valores que adquirimos e, após analisar a rentabilidade, tive que concordar . Foi realmente um ganho espetacular.

Os lucros acumulados referentes à produção e comercialização de nosso café cresceram de forma vultuosa.

Após sua saída volto para o escritório e, como faço todas as segundas-feiras , inicio os cálculos para os insumos necessários para a plantação. 

Ouço uma voz de criança batendo à porta : 
- Dona Nana, posso entrar?

Viro-me e vejo um menino magrinho e bem arrumado. Lembro-me de tê-lo visto trabalhando no galpão. Sinalizo que "sim". O menino entra, entrega-me uma barra de chocolate Neugebauer de damasco e um bilhete.

Meio tímido o garoto continua:

- O Seu Ucor pediu pra lhe entregar.

Em seguida, ele sai correndo...

Coloco a barra de chocolate sobre a mesa e leio o bilhete, que dizia:
"Senhora Nana, é com todo respeito que lhe envio este humilde presente. Sei que é a sua marca favorita.
Atenciosamente, Ucor."

Achei estranho... Mas eu estava tão concentrada em minhas contas que  após jogar o escrito no lixo, coloco o chocolate na gaveta e volto ao trabalho.

Depois desse dia, todas as tardes de segunda-feira, enquanto refaço as contas em meu escritório, o mesmo menino aparece em minha porta e me entrega uma barra de chocolate. Recebo por educação e coloco-a na gaveta. 

Permaneço indiferente aos galanteios do Sr. Ucor.

Como Num Piscar de Olhos (Brasil)Onde histórias criam vida. Descubra agora