Capítulo Único

1.5K 198 913
                                    

◖◍◗

Em 1 de junho de 1989, Levi perdeu sua mãe.

Kuchel Ackerman concordou em morrer.

Foi ali mesmo, em sua casa de infância, que ela optou por aceitar a morte. Levi estava com ela.

Ele tinha quinze anos quando aconteceu. Dormia em seu quarto como em todas as noites, quando pela amanhã se acordou com um enorme barulho. Se levantou enfurecido. Na época, já começava a ficar acordado até a madrugada, de boca cerrada, sem desviar os olhos, apenas observando o ponteiro do relógio avançar enquanto era envolvido por várias camadas de insônia. Mas principalmente, odiava ruídos. Calçou o chinelo e caminhou à procura do barulho.

No outro quarto, abriu a porta de forma brusca e se deparou com a visão de sua mãe estirada no chão, banhada com o sangue que escapava de um buraco muito profundo em seu peito. Ao lado do corpo, de pé, estava seu pai. O homem resolveu sentar na cama, descansou, enxugou o suor, recuperou o fôlego e bebeu a água do seu cantil. A janela aberta deixava ver o azul da manhã, o sol entrando ainda suave parecia vitorioso em seu incansável desejo de iluminar cada palmo de sua mãe, rosto e peito em vermelho-sangue.

Olhou para as mãos do pai. Ele segurava uma arma. O homem não se incomodou com a presença do filho. De repente, se aprumou, apontando a pistola para Levi, a três metros de distância. Porém, no segundo seguinte, largou a arma e soltou um grito. Chorou com as mãos na cabeça.

Seu pai era um homem impassível, quase estóico e pouco dado ao emocionalismo - tinha um rosto grande e quadrado e olhos parecidos com azeitonas opacas. Portanto, quando demonstrava algum tipo de emoção, era motivo de alarme, ou pelo menos curiosidade. Um homem amargo e raivoso, tornado corrosivo por sua decepção com o mundo.

Levi não correu para perto, nem gritou com seu pai. Sentiu alguém segurando seus braços com força. Foi então que ele se debateu, fazendo o possível para se libertar.

Os policiais que haviam chegado o levaram para os fundos da casa enquanto seu pai era algemado. Logo ele ouviu gritos de vizinhos correndo pela rua, todos em volta de sua casa como se estivessem em um espetáculo. O povo, despertado do sono, se movia bruscamente nas janelas, nas portas, mãos cobrindo as bocas chocadas. Um homem, pálido, contava à outros policiais que ainda dormia quando ouviu o barulho de tiro.

"Sua mãe está morta", disse um policial, calmo e sério. Sua voz o tranquilizou de alguma forma.

Levi não respondeu. Olhou para um poste cuja luz iluminava o ar em piscadas, caindo trêmulas e inúteis para o sol.

Outro policial, depois de lhe lançar um olhar longo e dolorido, saiu trotando para dentro da casa.

Era verão e Levi não acreditava que alguém poderia morrer no verão. Ele pensava que mortes só acontecessem no inverno, porque precisavam do frio, do cinza, de desolação. Percebeu que a morte poderia realizar seu trabalho com a mesma facilidade em pleno sol escaldante, em plena luz da manhã.

Ele também sabia que aquela morte causaria um cataclismo em sua vida, refletindo em cada aspecto do seu ser, o modificando, o fazendo tomar uma direção imprevista. Talvez ele tenha sentido raiva disso. Isso atrapalharia sua vida, sem que nem mesmo ele tivesse a chance de se opor. A dor viajaria por anos em seu corpo. Ele seria assombrado por todo o sangue.

Sua mãe dizia que os mortos viravam grama, mas não havia grama onde a enterraram. Levi estava do outro lado do rio, onde havia apenas terra, cascalho e grandes pedras.

Ele e sua família moravam no sul da Itália. Ali, nuvens negras formavam sombras contra as dobras de penhascos. Na encosta, o farol avistava as águas turbulentas do mar mediterrâneo, que tinha a cor da palavra azul. Os barcos que voltavam ao porto eram amarrados em cordas ásperas por mãos gastas. Um vento salgado soprava rajadas ao longo do cais e se precipita entre os galhos das árvores nuas.

𝐖𝐇𝐀𝐓'𝐒 𝐋𝐄𝐅𝐓 𝐎𝐅 𝐁𝐋𝐔𝐄 | 𝙀𝙧𝙪𝙧𝙞Onde histórias criam vida. Descubra agora