Distrito da Luz Vermelha

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Taehyung encarava o céu enevoado na vaga esperança de distinguir algum ponto de luz em meio àquela noite, aparentemente, sem estrelas. Sentado sobre o concreto do terraço de algum arranha-céu qualquer, encontrava-se, para quem o visse, perigosamente na beirada, balançando as pernas inquietas e tamborilando os dedos que ansiavam por um cigarro entre eles. Seus pensamentos eram turvos: ora pensava em pular de lá e matar o que o estava matando, ora pensava em puxar o tabaco com aroma de canela do bolso esquerdo de suas desconfortáveis calças de couro. Odiava madrugadas como aquela, em que insistia para si mesmo que seria tudo mais fácil se ele simplesmente ficasse apresentável, ou, ao menos, usasse roupas decentes. Enquanto os cabelos num sarcástico vermelho vibrante tremulavam sob o vento frio que o acometia em uma altura daquelas, a blusa de gola alta preta que acompanhava o casaco de couro, as calças de couro e os coturnos também negros protegiam seu pescoço do sopro irritante. Suspirou frustrado, brincando, ao mesmo tempo, com ambos os piercings que ostentava: um no centro da língua que ele passava entre os lábios, sentindo metal com metal quando a joia tocava suas snake bites - uma em cada canto do lábio inferior.

Quando cogitava ir embora daquele lugar de uma vez, um aroma acometeu-lhe todos os sentidos, fazendo-o automaticamente enrijecer a postura e enraizar-se ao chão. Ouviu passos atrás de si, e o odor adocicado e impregnante foi ficando mais irresistível a cada segundo. Livrando-se um pouco da agitação inicial, levantou-se e se virou em direção à única entrada - e, consequentemente, saída - daquele lugar. A porta de metal pesado rangeu num som estridente, e o Kim viu-se, de uma vez por todas, hipnotizado quando o garoto que saiu por ela foi exposto ao ar. Podia enxergar o bafo da respiração ofegante daquela criatura que, para si, no momento, era uma incógnita; ouvia seus batimentos cardíacos desregulados e sentia-se embalado por cada um deles.

" — Oi, eu sou da torre aqui do lado e te vi sentado na beirada, aí decidi perguntar se tá tudo bem com você, cara." – Enquanto o homem falava, Taehyung pôde ver os dentes salientes dele e isso só piorou sua situação: eles o lembravam de coelhos, e o Kim estava no limite da própria fome. Se fosse em outro caso, já o teria atacado e partido, afinal, a presa havia ido ao encontro do predador. Entretanto, o cheiro extremamente atraente para si o extasiou de uma forma descontrolada; apenas duas vezes, em toda sua existência, havia cruzado com um humano que cheirasse de forma parecida.

Antes que o atacasse, Taehyung pôs-se de costas para o garoto e pulou do prédio diretamente para a rua, correndo, em seguida, para o beco mais próximo. Sabia que o deixaria confuso com o sumiço repentino, mas isso não era o principal problema ali. Conferiu a própria tez procurando por ferimentos pela queda, mesmo sabendo que não os acharia. Havia muito tempo em que sentia o calor, mas ele não chegava mais à sua pele que se mantinha sempre gélida. A eternidade sempre foi pintada como algo extremamente bonito, mas o Kim a achava mais mórbida do que qualquer funeral dos muitos que havia presenciado. Nos primeiros anos foi divertido usar e abusar de seus poderes, caçar humanos frágeis e se aproveitar de toda a luxúria e avareza que poderia ter. Depois disso, nenhum ouro preenchia seu âmago vazio, nenhum corpo o satisfazia, nada havia de novo a ser visto ou sentido e não lhe restavam motivações para viver além da sua necessidade torturante por algo para fincar as presas. Era sarcástico como passara a pensar nas coisas após realmente vivenciar as dores de uma solitária vida que não padece: os humanos trabalham incessantemente para terem um legado antes de partirem, para constituírem família e não deixarem que seus genes sejam apagados e morram consigo. Tudo o que perseguem visa a sobrevivência e perpetuar, e essas coisas giram em torno de um prazo que se esgota sem aviso. Quando não existe um prazo, simplesmente não há a necessidade de fazer nada disso, e tudo o que se faz perde o valor. Se pudesse morrer, Taehyung o teria feito assim que percebeu que não havia mais nada no mundo para ele.

De WallenOnde histórias criam vida. Descubra agora