Sinto aquela estranha sensação de de familiaridade, uma espécie de déjà vu nada agradável, quando teias de eletricidade estalam sobre nossas cabeças e se solidificam, formando um escudo de energia muito semelhante ao do Jardim Espiral. E, ironicamente, sua cor é roxo-claro, um detalhe crucial que me deixa ainda mais desconfortável. O tipo de escudo que me trouxe a este mundo corrupto é o mesmo que pode me tirar dele também.
Como se já estivesse esperando por isso, Cal se posiciona à minha frente, abrindo os braços, e sinto o ar esquentar ao nosso redor. Por um instante, sinto falta disso... Sinto falta de controlar algo tão poderoso como o fogo. Ou melhor, de criar. Cal é como uma barreira que me separa dos outros. Uma barreira inútil, que está prestes a cair. Ele não vai dar conta de todos sozinho.
— Fique atrás de mim o máximo que puder — ele diz, e o ar fica quase insuportável de tão quente.
— Cal...
— Apenas me ouça.
As centelhas dão sinal de vida e fogo selvagem serpenteia pelos braços de Cal. O tecido, ainda que seja uma imitação barata de um traje de treino, não se consome pelas brasas.
— Quando eles atravessarem a parede, você vai ter que correr — ele instrui como um professor. — Evangeline é a mais fraca, e o forçador é lento. Você pode correr mais rápido que ele. Vão arrastar a luta em nome do espetáculo.
Encaro os carrascos, que nos dissecam com olhos nada humanos.
— Não vão nos dar uma morte rápida.
— Mas Osanos...
— Deixe que eu me preocupo com Osanos.
Em outra vida, eu pouco me importaria com as instruções de Cal e tentaria resolver as coisas do meu jeito. Mas não estamos mais nessa vida, e talvez não teremos mais outra depois desse dia. Então, apenas concordo com suas palavras, jamais desviando minha atenção dos prateados, que se aproximam devagar propositalmente, só para nos intimidar. O que estão quase conseguindo. Eles se espalham, nos cercando aos poucos, nunca abrindo uma brecha. Um som de mecanismo ecoa de algum lugar da arena e o chão treme, se abre, revelando uma piscina transbordante. A água se move, flutua por causa de Osanos, que cria um escudo cristalino em suas mãos. Lembro-me dos treinos, de quando Tirana, sua filha também ninfoide, quase afogou Maven em pé. Se não fosse um simples treinamento, ela teria o matado.
Excitado com tudo isso, Ptolemus Samos acompanha a multidão enlouquecida, acertando com tudo o peito de sua armadura, o som metálico ressoando como um sino. Parece um cão raivoso.
— Não vai ser como da outra vez, vermelha — murmura Evangeline, girando suas facas por entre os dedos com uma precisão indescritível. — Nenhum truque vai salvar você.
Vai nessa. Ela sabe muito bem que um simples truque fajuto não permitiria eu fazer o que fiz. Seria algo limitado, superficial. Mas Evangeline prefere ouvir e crer na versão de Maven, pois não aguentaria a decepção de ter sido derrubada por uma vermelha naquele dia.
O som de uma risada volta minha atenção para o jovem Stralian Haven, irmão de Elane. Para meu desespero, ele desaparece num piscar de olhos, mesmo sob a luz do sol. Cal parece ter visto o que vi também. Ele, com um movimento ágil demais para ser considerado humano, acerta o ar, como se estivesse socando alguém. Consequentemente, fogo vivo nasce, seguindo o mesmo caminho que seu punho.
Uma pequena parede de fogo nos separa dos outros, mas é fraca demais. Parece que vai morrer em poucos segundos. Nem vai durar. Mas é areia. Impossível isso... Então percebo a jogada de Maven. Isso não é areia comum. É fina demais para suportar as chamas, que vão morrendo mais rápido que o normal. Idiota trapaceiro!
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A Mais Forte (What If...?/AU) [CONCLUÍDO]
FanfictionE se a vermelha que caísse na arena da Prova Real não fosse Mare Barrow, mas sim uma outra sanguenova tão forte e poderosa quanto? Uma garota com poderes de ardente que é capaz de criar as suas próprias chamas? Essa é a história de Ravenna Sylvester...