Chove lá fora e aqui...

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18 de fevereiro, 4ª feira. Após 15 dias sem conseguir escrever nada.

Eu gosto da chuva, sabe, mano? Gosto de ouvir as gotas caindo, um barulho baixinho, gostoso. E, de repente, ver num susto a luz do relâmpago. Ouvir, com o coração batendo forte, a explosão do trovão. E gosto de contar, entre a luz e o som. E me assustar de novo, e de novo, e curtir as gotas caindo num barulho baixinho, gostoso.

Meu pai me pegava no colo, nas noites molhadas de tempestade. Ele não tinha medo não de relâmpago, trovão. Não tinha. Meu pai  às vezes, era corajoso. Enxugava meus olhos nas noites de chuva. O Sasuke gosta de chuva também, eu vejo sempre ele olhando pela janela na classe, parece até que a chuva chove de dentro dele. Às vezes, ele sai caminhando, chuva chovendo, feliz da vida sem sorriso. Eu o acompanho, perto longe. Ele tão entretido e chuvoso que nem me nota. São os únicos momentos que acho que o Sasuke é feliz. Acho. Esses e quando tá escrevendo.

Aí, Putão, tô mó mal. Não tô conseguindo começar meu best-seller, pô!... E, quer saber, na nóia como eu tava e ainda tô, tinha que descontar minha pedreira em alguém. Deu a maior vontade de zoar, de kuramar, sei lá...

Quer dizer, primeiro deu foi vontade de ficar na minha. Eu tava o mó estranho, nem com a Sakura tive saco pra falar... Ela disse que eu tava muito chato, muito distante. Que eu nem tava sendo eu, saca? ⁴Coisa de Sakura⁴...

Sakura: Tava demorando!

E era a distância mesmo que eu queria. Só não faltei na escola porque minha mãe fez marcação cerrada, mas deu uma vontade de sair por aí, andando pelas ruas, passeando de trem sem parar em nenhuma estação, só pra olhar as coisas em movimento, as cenas passando na janela e se escrevendo na minha cabeça.

Então, aí eu saí da escola e nem dei alô pra turma. Fui andar. Só. Cê nem vai acreditar, Comp, mas até no futebol da sexta eu dei cano... Quer saber: acho que eu tô é morfando também, e tudo por causa desse barato de querer ser escritor de todo jeito, que me derrubou nem sei por quê – que merda falar, quer dizer, escrever isso!

Cara, de onde eu tirei esta vontade pirante de me tornar escritor?

Acho que do mesmo lugar onde tirei minhas tantas vontades, maiores, mais gordas, mais difíceis de explicar e de sentir, como a vontade de entender o que existe além das estrelas de noite; a vontade de acertar a direção do vôo das borboletas; a vontade de errar minha nota de redação me surpreendendo com uma nota melhor; a vontade de saber o que o Sasuketo fica escrevendo o tempo todo; a vontade de dizer pra Sakura coisas que eu não consigo; a vontade de crescer de uma vez e deixar de ser criança; a vontade de vencer a morte e de trazer de volta quem morreu... A vontade de escrever. E, por não conseguir, a maior de todas as vontades: a vontade de sumir!

S  u  m  i  r . . .

Tinha que fazer uma coisa pra não explodir, virar do ⁵avesso ou desintegrar⁵!

Sakura: Por que vc não veio conversar comigo? Poxa, Naru...

Aí cheguei na escola e fiz. Sentei atrás do Sasuchato e fiquei dando peteleco na orelha. Esperava a psora de ciências virar pra lousa e dá-lhe peteleco. Via quando o psor de filosofia estava filosofando e dá-lhe peteleco. Na hora da chamada, peteleco. Liga o ventilador, peteleco. Desliga, peteleco. Chegou uma hora em que me deu a louca:

Peteleco       Peteleco   Peteleco   Peteleco   Peteleco   Peteleco   Peteleco   PETELECO

— Para, ôh!

Aí o Sasuke virou e pegou minha mão com força e, com os olhos vermelhos atrás dos óculos tortos, me mandou parar... E, quer saber? Eu parei. PAREI. Não tive medo, não é isso. Mas, sei lá? Não deu mais vontade de continuar... Acho que tô desse jeito porque não tô conseguindo escrever, é por isso. E acho que é também por causa do caderno dele... Maior mistério, esse caderno!

Vou te contar: sentado atrás do Sasuke, eu vi que ele, de novo, tava escrevendo alguma coisa no caderno azul. Quase não deu pra ler aqueles garranchos miúdos, ainda mais curvado em cima do material, como ele fica. Mas consegui:

Você é o menino dos meus olhos,
O brilho em minha visão.
É meu pedido à estrela,
Uma rosa, um sonho,
Que brotou em meu coração.

Sakura: Sei que vc vai ficar com vergonha, mas este poeminha tá muito fofo!

Quando terminei, nem deu mais vontade de dar peteleco. Não deu. Deu vontade é de encolher, de descrever, de me curvar sobre meu material também, assim, e ficar quietaço... E foi aí que eu dei um monte de petelecos de uma vez só. Um monte! Mas parei quando ele mandou. E ia parar mesmo que não tivesse mandado. Bom, acho que ia. E... Fiquei o mó curioso em saber pra quem o Sasuke tava escrevendo... E, quer saber? Gostei do que ele escreveu... Queria que tivesse sido eu.

Foi aí que uma coisa passou pela minha cabeça, no poema estava escrito: Você é o menino dos meus olhos. Isso quer dizer que o Sasuke é gay? Não que eu tenha alguma coisa contra, na verdade, não. Não me importo. Isso. Não tô nem aí, mas agora fiquei surpreso... Talvez, só talvez, ele tenha medo de julgamentos, por isso é tão tímido. Só uma hipótese. Mas não o julgo. Eu meio que sou... Esquece, deixa pra lá.

Aí, morgando, fiquei olhando pro nada e prestando atenção na aula de português. E o sinal bateu e eu dei um último peteleco na orelha do Sasuke de novo, bem forte, pra não perder o jeito e gritei:

— Seu Morfético!

E fui embora, eu de volta, dando porrada nos braços dos camaradas, abraçando a Sakura, a Hinata, a Ino. ⁷Todo mundo feliz⁷ por eu ter desmorfado – menos o Sasueta, ta-di-nho!

Sakura: Eu não tava feliz, Naruto... Não tava!

Essa Tal TimidezOnde histórias criam vida. Descubra agora