A mochila mais pesada que nunca!

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23 de fevereiro, 2ª feira tensa. Trancado no quarto, de tarde, de noite.

Putão, saí da escola torto. Mal me sustentava com o peso que trazia nas costas. Tinha a mochila tinha livros tinha a conta da cantina tinha a redação nota 7,0 tinha a cara triste do Sasuke mesmo com os elogios do Kakashi tinha a lembrança do e-mail da Sakura tinha a saudade do quase nunca riso tímido do meu pai... Tinha ansiedade confusão culpa remorso tinha o caderno azul do Sasuke.

Passei o fim de semana inteiro sem sair do quarto. Minha mãe veio ver se eu tava triste, se tava doente, se tinha morrido, se queria conversar. Eu não queria. Disse que tava com saudade do pai e só queria ficar sozinho. Nem tava. Quer dizer, sempre tô, desde antes dele morrer, mas isso não era o mais forte. Não é. Acho. Tava grilado por não saber escrever bem, tava com saudade de mim de antes com a Sakura, e mesmo de mim há tão pouco, no começo, quando achei que era só ter vontade e seria o melhor escritor do mundo. Tava querendo o caderno azul e o talento do Sasuke. Queria muito e, hoje de manhã, sem conseguir deixar de querer, quis, quis demais, e fui atrás.

Pra dizer a verdade, nem fui. O caderno é que veio: deu sopa e eu só abri meus braços – educado que sou – e dei um aperto bem forte nele: ¹²querido!¹²

Sakura: Nem acredito no que eu tô lendo!!!

O Sasuke não larga esse caderno por nada! Grude que é. Mas hoje ele vacilou, morfeticou. Ficou de olho vazado pra janela, esquecendo do mundo, do caderno azul, de mim, dele mesmo, e deixou a mochila abertinha, toda "me cata", na minha frente. Ninguém viu, quase nem eu, todos esperando o sinal. Fim de aula. Depois, eu também, muito mais. Peguei, era ¹³meu! É meu!¹³

Sakura: Naruto, às vezes vc me dá medo mesmo... Vou pular essa parte. Não vou ler o caderno do Sasuke sem ele deixar... Nunca!

Sakura-

Aroma de amora no ar
Cheiro de amor, tempo de amar...

Coração que bate e bate
Amor de flor de romã
Recado que não sei dar
Ontem, hoje ou amanhã.
Letras que escrevo e que apago
Intensa luz da manhã
Num encontro de menina
Ameixa, amora e maçã.

Sasuke-

Paixão é chuva de vento
Emoção que molha em mim
Desejo que brota: fonte
Rola pedra, rola monte
Onde vai que não tem fim?

Pesadelo: sonhei que acordei sozinho, não tinha mais ninguém no mundo. Tinha apenas eu, eu refletido no espelho do quarto, e o medo. Um medo maior que eu. Só que quando olhava pra dentro do meu reflexo, com medo maior ainda, já não era mais eu, era o Naruto, olhando pra mim e me cumprimentando: "Aí mano véio!" Eu? Só em sonho mesmo pro Naruto parar de me perseguir!

E agora vou perseguir muito mais! Cê tá fazendo poema de amor pra Sakura, meu? Quer virar lenda? E vai ver ela até já sabe e por isso te protege tanto! Por isso não quer que eu leia! Vai ver... Vou ver! Vou ler!

Tão bonita é a menina que passeia por meus sonhos de poeta, tão bonita. Tem olhos brilhantes como estrelas do céu, olhos de conta, de faz-de-conta, sempre prontos a despertar poesia, a despertar magia, em todos que neles buscar...

Tem sorriso de menina levada, maroto, singelo, sorriso de menina-flor, de menina-rosa, de menina Sakura, de princesinha, como só a minha haveria ter.

Nos cabelos traz fios da tarde. No narizinho, a delicadeza da manhã. Na voz traz um não-sei-quê de paixão. E, no corpo, no corpo traz o silêncio de um poeta, de um aprendiz de poeta, que, por não saber o que dizer, julga melhor calar-se, conter-se, ante beleza que é tanta, que ao poeta não espanta, despertaria a inveja Afrodites e Psiquês.

Sasuke 21.05

Caracas, não é que o Sasuke escreve! E, tirando o grude, a baba, os "inhos e as "inhas", até que descreveu a Sakura "legalzinha"...

E, quer saber? Como eu acho que nem conseguiria...

Ai, tá me dando uma sensação esquisita. Um buracão, um vazio! Lendo esses poemas que o meu Sasuke fez pra Sakura, parece que nasceu e cresceu um monstro supermorfético no meu estômago que tá me engolindo por dentro. Que será que é isso, meu?! Ciúmes, será? Mas da Sakura? Acho que não...

Então, do... Já sei!!!

— Manhê! Tô com a maior fome, tem leite condensado aí? Faz brigadeiro!

Minha mãe, que já tinha até ido pro quarto dormir, resmungou, disse pra eu parar de gritar, pra eu parar de comer tanta porcaria, mas foi fazer meu brigadeiro lindo! Claro!

Bom, agora, passada a sensação de vazio, vamos ler mais umas pagininhas do caderno do Sasuke, senão daqui a pouco dona Kushina me obriga a apagar a luz e, daí, baubau.

Hummm, gostinho bom de chocolate.

Detesto ser tímido! Detesto! Ser tímido é ter um monte de coisas pra falar, de tudo, pra todos, e sentir, quase mudo, com uma vontade gigante de gritar, que roubaram sua voz. E mais, sua língua. E mais, sua boca. E mais, seu corpo. E mais, sua vontade. E mais, seu eu. Mais que tudo, sei eu. É tirar da fonte a água, do bem-te-vi o canto, do arco-íris as cores, do palhaço – mesmo triste, porque dizem que todo palhaço é triste – o riso, e depois devolver, tudo, com muito mais força, mais água, mais canto, mais cores, mais... Só que no escuro, no silêncio, no vazio, no que já era triste, já sem ar... Já sem fôlego.

Detesto ser tímido! E sei porque o Naruto me detesta também. É porque sou tímido. Como o pai dele era. Eu queria poder falar isso pra ele. Queria. Mas não posso, não consigo. Escrevo.

O Naruto podia ser meu amigo, ou mais que isso. Seria. Ele gosta de chuva, me disse, nem lembra. Gosta como eu gosto e o pai dele também gostava. E gosta de escrever, de ler... E da Sakura. É, ele gosta da Sakura... E eu dele.

Escroto! Cê acha que eu ia querer ser seu amigo? Se enxerga! Por que cê não consegue me detestar, seu... Morfético! Não entendo?... Mas é bom cê saber que eu te detesto, seu... Seu... Seu tímido. É, seu tímido... Como meu pai era.

E se gosta de mim, por que fez a porcaria de um poema pra Sakura?

Por quê...?

Essa Tal TimidezOnde histórias criam vida. Descubra agora