Férias antecipadas

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Segunda, 1º de março, com papo-sério com dona Kushina e kinder-telefonema – com surpresa! – da Sakura.

Minha mãe não me acordou pra eu ir na escola. Achei isso um péssimo sinal. Mesmo com o cheirinho quente do pão recém-saído do forno, mesmo com o gostinho de ter podido dormir um pouco mais, ainda melhor em dia de semana sem aula, senti um amargo, de sapo malpassado, na boca. Sapo gordo que só. Difícil de engolir. Fui tomar café... Encontrei minha mãe na cozinha:

— Cê não foi trabalhar hoje, mãe?

O leite quase fervendo no fogão.

— E você, não foi pra escola? - Nessa hora acho que eu já sabia que ela sabia...

— Não... É... Bom, acho que nem preciso explicar, né?

— Precisa, sim, Naruto. - Os olhos lacrimejando. - Eu preciso...

O leite subiu rápido na leiteira, esfumaçou de branco todo o ar e se espalhou no fogão. Minha mãe nem se mexeu, nem terminou o que tava falando, só suspirou. Chorou. Aí eu peguei um pano e fui limpar.

— Eu preciso de você, Naru. Não sei mais o que fazer. Você não percebe que dói demais em mim também. Tudo. - Só suspiros e lágrimas.

— Eu também preciso da senhora, dona Kushina. E eu percebo, sim, juro. Só que é tão difícil. - Já lacrimejando também.

Acho que ela não esperava ouvir isso, porque me puxou pra mais perto, chorando que só, e me sentou no seu colo... Eu? Bom, eu fiquei, ali, quietinho, quase até maior que ela, mas abraçando também. No colo. Tinha tanto tempo já...

Aí conversamos sobre meu pai, ela me pedindo desculpas e eu dizendo, quase sem conseguir, que não tinha por que ela se desculpar. Não tinha. E, sem saber bem como, desabafei, alto, quase gritando sem voz, falei que só não conseguia entender como alguém podia abrir mão da vida, da mulher, do filho, desistir de tudo, medroso, covarde, só fazendo e pronto: morrendo, num acidente de carro, ri-dí-cu-lo, numa estrada vazia de meio feriado, ele que gostava tanto de dirigir, morrendo assim, na contramão de tudo... Ela foi pegar um livro na estante e leu pra mim.

A timidez é uma forma de prisão em que a pessoa desempenha tanto o papel de guarda como o de prisioneiro, para ganhar a aprovação do guarda.

O prisioneiro quer que chegue alguém para livrá-lo da prisão, mas assim que alguém se aproxima o guarda o impede. Essa prisão tem suas vantagens: é segura e esconde sentimentos de medo e ansiedade. Mas as desvantagens são muito maiores! É um lugar em que se passa a pão e água, é um lugar de solidão e de isolamento. (Dr. Philip Zimbardo)

— Timidez como a de seu pai, Naruto, pode trazer consigo também uma doença muito grave chamada depressão. Seu pai tentou lutar, muito, nós tentamos, mas a doença se tornava mais e mais forte. É como se a pessoa estivesse numa prisão mesmo, mas a diferença é que essa prisão não é feita de tijolos, de concreto, e sim de medos, de profundo sentimento de rejeição e de desamparo... E só se abre por dentro, filho. Só a pessoa mesmo tem a chave. Por mais que eu tentasse... - As lágrimas rolavam dos olhos da minha mãe. E eu: só silêncio, carinho nos cabelos ²¹dela – que antes gostava tantos – e abraço.²¹

Sakura: Naru... Nem tô conseguindo teclar... Tô muito emocionada... Muito... Que vontade de te abraçar tb...

Ficamos assim mais um pouco. Ela assinou a suspensão, me fez contar direitinho tudo e, me mandando tomar jeito, beliscou o meu nariz e foi saindo pro consultório. Mas antes perguntou se eu ficaria bem, "nada é mais importante que meu filhinho levado", disse. Eu fiz que sim com a cabeça e mandei dona Kushina ir logo: os pacientes não podiam esperar. Aí ela falou que tinha orgulho do filhão dela e eu fiquei todo TODO.

Essa Tal TimidezOnde histórias criam vida. Descubra agora