EPÍLOGO

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NÃO SEI POR QUANTO TEMPO a fria escuridão se fez presente ao redor de mim. Mas quando todos os últimos acontecimentos me assombram, se misturando em um único flash na minha mente em frangalhos, desperto num sobressalto, quase caindo para frente. Porém sinto mãos segurarem meu corpo trêmulo, me impedindo de machucar mais ainda os membros já cansados. Meio grogue por causa do sono inquieto, respiro fundo, o estômago reclamando por causa de uma forte náusea. Por pouco quase vomito sobre piso de... metal? Olho ao redor, para as paredes encurvadas, as dezenas de janelas quebradas e a paisagem que passa como um borrão diante dos meus olhos. O subtrem.

Quando o meu olhar pousa sobre um certo alguém, posso jurar que estou ficando louca. Cal está sentado frente a frente comigo, o corpo encolhido, tenso, os dedos se contorcendo sobre o colo. Ele não olha diretamente para mim, mas para todo o ambiente caindo aos pedaços, as placas mal colocadas, o vidro quebrado, os cabos expostos. Isso o fascina. Cal sempre gostou de consertar coisas, penso comigo mesma. Me recordo de uma vez terem comentado que o príncipe havia construído uma moto do zero. Nunca o vi usando e muito menos sei como ela é. Só sei que ele não pode mais se preocupar com seus gostos peculiares. Não aqui, sentado num lugar desconhecido, vigiado por uma pessoa mais que familiar para mim. Vê-la viva e inteira depois do temível massacre na Praça de César é como voltar no tempo, quando a vi pela primeira vez naquela estufa.

Farley está de pé ao lado do assento, jamais tirando os olhos de Cal. Como ela, uma simples vermelha comum, sobreviveu àquilo? Não sei dizer. Tento me mover para chamar sua atenção e dizer que estou bem, mas meu corpo protesta. A noite mal dormida e a luta no Ossário estão cobrando seu preço. Me sinto cansada, esgotada. Mal consigo manter os olhos abertos. Mas não posso, não quero fechá-los, pois o rosto dele sempre vem à minha mente. Maven. Até pensar nele dói. Como pude ser tão burra? Por que não ouvi a voz da razão? Onde está Julian agora? Lembrar do meu ex-professor é como fincar milhares de agulhas no meu coração. Ele está morto, assim como Sara. E eu deixei isso acontecer.

Todo mundo pode trair todo mundo.

Percebo que Farley não está sozinha. Há mais outros no vagão. Feridos, traumatizados, mas ainda em pé. São poucos, entretanto, mas o suficiente para intimidar Cal. No entanto, ele não parece nem um pouco assustado. E se está, esconde isso muito bem — o que são dezenas de vermelhos cansados e quase mortos comparado ao que enfrentamos na arena? E ingênuos. Noto a algema de ferro prendendo os pulsos do príncipe. Até onde sei, não temos Pedras Silenciosas conosco. Ele poderia muito bem derreter essas correntes, matar todos nós e fugir. Mas Cal não o faz. Apenas fica parado, quieto, como se nada estivesse acontecendo. Mas está.

Ele me encara pela primeira vez, e sinto a dor em seus olhos.

— Ravenna — sua voz sai baixa, rouca. Parece que passou a maior parte da viagem dormindo, como eu. Ou porque ninguém lhe dera a chance de falar... até agora.

Mais uma vez, tento me mover, tento falar, mas a náusea excruciante — juntamente com os inúmeros hematomas espalhados pelo meu corpo — me impede. Sinto novamente aquelas mãos gentis me fazendo recostar no assento e relaxar.

— Quieta — diz uma voz que me é vagamente familiar.

— Kilorn? Mare? — Digo os primeiros nomes grudados em minha mente desde o início.

— Estou aqui.

Kilorn passa por entre os guardas atrás de Farley, entrando no meu campo de visão. Uma onda de um alívio quase irracional cobre meu coração. Ele está vivo. Vivo e bem. Mas não foi a voz dele.

A Mais Forte (What If...?/AU) [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora