Terrores Noturnos

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Oculto pela escuridão, ele espreitava sua vítima. Se amoitara sob a cama, silencioso e invisível, esperando pelo momento certo. A menina não tinha mais que oito anos. Seus pezinhos dançavam de um lado para o outro conforme trocava as roupas do dia pelo pijama, escovava os dentes e se preparava para deitar, inconsciente do horror que estava por vir. Ele chegava a salivar ao vê-la tão despreocupada. Quando não tinham ideia da sua presença, era ainda mais prazeroso atacá-las.

A menina subiu na cama. Seus pés passaram a centímetros dele, quase o bastante para sentir sua respiração. Se a sorte estivesse ao seu lado, poderia ter se abaixado e o encontrado ali debaixo do estrado, os olhos malignos brilhando na escuridão. Mas a sorte parecia estar ao lado dele naquela noite quente, de janelas esquecidas abertas e desprotegidas ao entardecer.

A mãe entrou no quarto distraída, enquanto a menina tagarelava da cama. Ele se retesou com a aproximação, ouvindo o estrado estalar com o peso extra durante a história antes de dormir. Temeu que fosse levar tempo demais, mas logo veio o beijo de boa noite. A mãe se afastou silenciosa, apagou a luz e fechou a porta atrás de si, desavisada, deixando-os sozinhos.

Ele esperou por algum tempo, nas profundezas da escuridão. Deslizava um dedo pelo colchão aparente, atento aos movimentos da garotinha deitada logo acima. Nenhum ruído do lado de fora do quarto. Nenhum adulto por perto. O momento ideal se aproximava. O segredo estava em esperar até que não viesse amparo. Cercava suas vítimas, imersas em escuridão e sono profundo, para que não tivessem saída e suas vozes não pudessem ser ouvidas entre o sono e o acordar. O medo era algo tão bonito, quando ele as devorava. Podia ver o pavor estampado em seus olhos arregalados, nas bocas se abrindo, no corpo se arrepiando. Valia a espera, valia tudo.

No momento certo, avançou para o lado de fora, envolto pelas trevas profundas. As garras deslizaram silenciosas contra o carpete macio e poeirento, um zumbido profundo na garganta de antecipação. Preparava-se para assumir sua forma definitiva quando ZAP!

O choque o atordoou na primeira vez, a luz na segunda, o impacto na terceira. ZAP! ZAP! ZAP! Encolheu-se para a escuridão, ultrajado e diminuto, enquanto a menina ria de satisfação, a maldade estampada em sua voz.

— Toma isso, pernilongo maldito!

O Bicho Papão, privado de sua alimentação e dignidade, recolheu-se novamente para as profundezas do portal entre camas enquanto a raquete ainda estalava pelo ar, levando em sua passagem outros seres desavisados. Seu corpo zumbia do choque e do susto, enquanto acolhia, vulnerável, a mão dormente e o ego ferido.

Pelo subterrâneo conectado, ouvia o estalar de raquetes em quartos de todos os tipos e lugares. Maldita modernidade em que pernilongos tomaram seu lugar nas trevas noturnas, roubando seu posto de rei dos pesadelos, o causador da insônia e das perturbações. Tristes tempos estes em que a inocência infantil fora trocada pela malícia, encarnada na forma de uma raquete elétrica.

Cansado, pensou que talvez fosse hora de deixar os pesadelos alheios para trás para seguir seus próprios sonhos. A tão esperada aposentadoria. Começar a praticar yoga. Fazer pão caseiro. Ouvira em algum lugar que uma dieta menos carregada de susto era mais saudável, podia até entrar em forma no processo. Sempre sonhara em escrever um livro. Qualquer coisa que o deixasse bem longe de raquetes elétricas.

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