Leticia
Pela primeira vez em todo a minha vida de organizadora compulsiva eu estava atrasada, tentei não deixar os meus velhos hábitos forçarem a minha ansiedade a me perseguir, me mantive calma em todo o processo deixando Joca e Julia chocados com a falta dos meus surtos.
O trânsito no caminho do aeroporto estava simplesmente caótico, parece que quando estamos atrasados tudo dá errado, é exatamente por isso que gosto de cronometrar o tempo, quer dizer gostava de cronometrar o tempo agora eu não sou mais essa garota controladora, ok que é bem angustiante deixar a vida tomar seu curso sem ao menos uma interferência.
--Fabio ela vai perder o voo! -- Berrou minha mãe com os olhos esbugalhados.
Meu pai sentou a mão na buzina como se isso fosse abrir magicamente o caminho por entre os carros parados no congestionamento – Eu estou fazendo o melhor que posso Katia!
--Estamos tão perto do aeroporto... -- Comentou Joca aflito.
Julia que acompanhava pelo celular em tempo real as informações dos voos internacionais programados pra hoje, quase derrubou o aparelho das mãos quando disse em tom de alerta – Parece que eles já estão avisando os passageiros que o embarque vai começar...
--Leticia! Você vai precisar ir a pé ou nunca vai chegar a tempo... -- Joca puxou o meu braço me forçando a encará-lo -- Você lembra do livro que você se recusou a comprar aquele dia antes da viagem?
Assenti sem conseguir responder nada – Eu sei que você é contra finais clichês dos livros de amor, mas sinto te informar que aquelas besteiras acontecem na vida real! Se você não sair desse carro agora e correr em direção aquele portão de embarque vai deixar o Gustavo ir pra Europa acreditando que você não o ama!
As lágrimas formaram um nó na minha garganta, senti a mão da minha mãe segurar a minha, com a voz embargada pelas lágrimas disse -- Seu irmão tem razão, você precisa ir agora minha filha...
--Eu não posso simplesmente sair correndo no meio dos carros... é imprudente! -- Meu coração batia a milhão dentro do meu peito quase sem voz – Certo?
Meu pai se virou no banco me lançando um dos seus sorrisos que sempre foram como uma terapia calmante para os meus nervos – Tem coisas que vale a pena abusar um pouquinho da sorte...
Minha mente fervilhava quase colocando todos os meus neurônios em curto circuito, a razão e o meu coração travavam uma batalha, lutar contra as minhas inseguranças que estavam matando meus neurônios não estava sendo uma tarefa fácil. Respirei fundo ignorando completamente o nó que sufocava a minha garganta, era a minha chance de me libertar da prisão que eu mesma me coloquei, chega de ser a Leticia perfeita e correta que nunca toma uma decisão por vontade própria e aqui e agora que eu viro esse jogo ao meu favor!
Arranquei o cinto me jogando em um abraço – Eu amo tanto vocês!
Minha mãe me deu um beijo na testa -- Nós também amamos muito você...
Joca me entregou a minha mochila me abraçando -- Eu estou muito orgulhoso de você!
--Você é o melhor irmão de todo mundo!
Joca arrumou os óculos estufando o peito – Ainda bem que sou seu único irmão assim posso manter esse título para sempre!
Dei um beijo em sua testa me jogando pra fora do carro, Julia me agarrou em um abraço de despedida levando uma buzinada de um motoqueiro que passou bem na hora quase nos atropelando – Manda um beijo pro Gustavo... agora vai!
Corri como nunca por entre os carros presos no congestionamento ignorando completamente os motoristas que pareceram bem surpresos com a cena. Realmente nunca imaginei que esse tipo de coisa acontecesse na vida real fora das páginas daqueles livros de romance clichês e olha só pra mim? Correndo contra o tempo que sempre foi um aliado amigo na minha vida para chegar até uma maldita sala de embarque e impedir uma história de acabar da forma errada.
Tudo parecia tão mais distante, não fazia muito tempo desde a última vez que tinha estado ali no mesmo aeroporto. Passei pela segurança da forma mais bagunçada e esbaforida possível, se eu pudesse me ver de fora da situação ia dizer que aquela era outra Leticia.
"--Atenção senhores passageiros do voo 474 com destino a Londres o embarque começará em instantes"
Ao ouvir o aviso de embarque apressei meus passos tentando desviar das pessoas da melhor maneira que consegui sem arrastá-los até o chão comigo. Meu coração batia a milhão em meu peito, eu procurava por ele desesperadamente em todos os cantos, tinha certeza que podia sentir a sua energia por perto a cada passo que dava.
Foi então que o vi brilhando por entre a multidão de passageiros, senti as lágrimas descerem dos meus olhos mancharem o meu sorriso. Precisei controlar os tremores do meu corpo quando finalmente consegui gritar seu nome – Gustavo!
Ele se virou me pegando de surpresa vi seus olhos se arregalarem, ele saiu da fila de embarque ainda atônito. Caminhei lentamente ao seu encontro deixando as lágrimas continuarem a escorrer pelos meus olhos, puxei do bolso da minha jaqueta o papel sulfite improvisado que fiz antes de sair de casa, ergui a placa na altura do meu peito deixando visível o "Eu te amo Gustavo".
Ele correu em minha direção acabando com os metros que ainda nos separavam, seus olhos castanhos mel brilhavam com as lágrimas. Me agarrando em um abraço que tirou meus pés do chão disse quase sem folego – Isso não é a minha imaginação me pregando peças?
Coloquei meus braços em volta da sua nuca dizendo – Acredito que nada acontece por acaso...
--Eu te amo!
O encarei por alguns segundos conseguindo enxergar as nuances de seus olhos castanhos mel, as milhares de sardinhas em sua pele avelã nunca pareceram brilhar tanto quanto naquele momento. Eu estava diante do menino que menos imaginei que poderia dizer um "eu te amo" e lá estava eu pronta para responder – Eu também te amo Guto...
E assim como se apenas fosse o certo a se fazer nos beijamos dando um final para a nossa história digno de qualquer um desses livros de romance que hoje já não acho tão clichês e impossíveis assim. Quem diria que eu seria a mocinha protagonista que corre por um aeroporto para impedir o grande amor da sua vida de embarcar sem ouvir a verdade sobre seus sentimentos.
Tia Kira estava certa quando disse que eu precisava pensar no que meu coração queria e não no que a minha razão me forçava a aceitar. Meus sonhos e planos agora não faziam sentido nenhum se eu não estivesse ao lado de Gustavo, da forma mais louca o destino tinha me dado a resposta que eu procurei por tanto tempo... ultrapassando todas as leis da física e toda a comunidade cientifica posso garantir que nada acontece por acaso.
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Nada é por acaso
RomanceLeticia é obcecada por organização e planejamento, enquanto Gustavo é o oposto deixando sua personalidade um tanto egocêntrica ser sempre o centro das atenções. Depois do desastre na viagem de formatura Leticia e Gustavo cortam relações de vez, mas...