Capítulo 16
"O Coração Suficiente"
☆I
A dor estava em Cecélia, a dor terrível e incessante, sentia coisas tenebrosas, coisas como morder uma pedra com os dentes da frente, ter agulhas enfiadas sob as unhas, lavar os pés com água fervendo, ter os cabelos puxados até o couro cabeludo descolar do crânio, ter os olhos lavados com acido sulfúrico, ter os dedos da mão esmagados por golpes de marreta.
Eram sensações assim que Cecélia experimentava por todo o corpo.
Horrível, terrível, tenebroso.
Mas ela também era horrível, terrível e tenebrosa, então sofria mas não cedia a insanidade.
Edmundo saiu de cima da bruxa, olhou para ela com aqueles olhos vazios. Ela o encarou de volta enquanto berrava, mas dentro de si ela tentava achar a concentração para barrar aquela magia.
— Ed? Esta tudo bem? — Sandara perguntou elevando a voz, estava a alguma distância para evitar ser atingido pela onda de dor.
Edmundo tinha perdido o controle novamente, olhou em volta, seu rosto deformado, acinzentado como o de um cadáver.
— Ele está perdido, se perdeu na magia. — Tanya olhava atenta.
— Por Olodumare... mas e agora?
— Eu resolvo isso. — Zeniba procurou no chão um pedregulho, encontrou um grande o suficiente, mirou e atirou na cabeça de Edmundo que cambaleou e caiu desnorteado deixando o leque palha cair da mão. — Vá lá sandara, socorra o bichinho.
Sandara correu ate Edmundo mas não rapido o bastante, Cecélia agora sem dor, pois Edmundo estava desacordado e não podia mais lançar a maldição sobre ela, se levantou e o agarrando torceu o pescoço do rapaz para tras e posicionou suas unhas cumpridas e pontiagudas sobre a jugular.
— Sabe o que acontece se eu matar ele aqui neste lugar, não sabe?
— Ai... fiz merda... — Zeniba resmungou.
— Fez mesmo. — Tanya respondeu.
— Pare com isso! Solte ele! — Sandara parou a alguns metros de distância empunhando a espada.
— Bela lamina, é uma *Idárá*? Que azar... essa espada é muito poderosa em ataques a distância, mas assim perto vai acabar fritando não só eu mas também o rapazinho aqui se tentar atacar.
— O que acontece se ela fizer isso? — Tanya perguntou.
— Se ele morrer na casa de Iku, a alma não irá para nenhum outro Orun, ficará presa aqui eternamente. — Zeniba respondeu.
— Feiticeira, pare já! O que quer, porque está envolvida nisso?! — Tanya gritou.
— Quero a capa do búfalo. — Cecélia respondeu.
— O que vai ganhar ajudando o macaco?
— A garota.
— Porque você quer Meli? — Zeniba perguntou.
— Ora, olhe pra ela, não vê a anomalia?
— O que fez com ela? — Tanya perguntou.
— Ela passou pelo espelho negro e sobreviveu, mas a alma quebrou e se modificou. A menina agora é uma Sahira.
— Ah não... — Zeniba lamentou.
— O que é isso? O que é Sahira? — Sandara perguntou.
— Sandara, não há nada aqui para vocês, a menina não pode mais ser salva. — disse Zeniba.
— Mas o que é Sahira?!
— Sahira é um tipo de bruxa, quando a mulher se torna uma... nunca mais voltará ao normal. A alma esta podre. — Zeniba explicou.
— Não... argh... ela é a nossa Meli! Não importa o que aconteceu, vamos cuidar dela. — disse Edmundo que voltava a si ainda preso as garras da bruxa.
— Eu não sou sua. — Meli se aproximou, trazia a boneca em uma mão, o macaco a seguindo atento.
Tanya encarou Meli, se assustou, a menina inocente de antes havia desaparecido, a pessoa de agora era sombria, exalava uma aura de malignidade.
— Meli! Meli você ta bem?! — Edmundo gritou tentando se libertar do aperto de Cecélia.
— Alguém sabe como eu saio desse lugar? Não gosto daqui, fede mofo. — Meli o ignorou.
— Eu te tiro daqui. Mas antes o Macaco quer libertar o espírito preso na boneca. — Cecélia respondeu.
Meli ergueu a mão e olhou para a boneca, então displicentemente a atirou em Kikelomo e deu de ombros.
— Faça seu corre ai.
— O quê? — ele a olhou com o rosto em uma careta de insatisfação.
— Eu disse "se resolva". Pronto, agora alguém pode me tirar daqui?
Kikelomo segurou a boneca com certa dificuldade.
— Preciso da capa de búfalo que Sandara está usando na cintura.
— Então dá a capa ai. — Meli pediu a Sandara.
— O quê? Eu não posso fazer isso, Enobária...
— Eu não te perguntei nada sobre a porra na Enobária. O que disse foi "me dê a capa".
— Ela... ela esta fria... — Tanya cochichou.
— Sahiras são apaticas a tudo que não é de seu interesse. — Zeniba respondeu.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Búfalo Sandara
FantasíaUma chacina em um terreiro de Candomblé desperta o desejo de vingança de um dos sobreviventes que ruma a uma aventura sobrenatural atravessando os nove Orun's, o mundo dos Orixás. Será que a linha tênue entre amor e ódio pode ser ignorada? Bruxaria...